São Paulo, domingo, 24 de março de 2002

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Inflação alta pode aumentar arrecadação e evitar rombo fiscal

Caixa do governo precisa de inflação, dizem economistas

Reuters
Manifestante protesta contra o limite de saques bancários, sexta-feira, no centro de Buenos Aires


ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Inflação alta e controlada, acima da estimativa de 15% que vem sendo usada pelo governo argentino. Para economistas, esse é o remédio amargo capaz de ajudar o país vizinho a aumentar a arrecadação de impostos e evitar um rombo em suas contas de 2002.
O Orçamento apresentado há duas semanas pelo governo argentino, e aprovado por deputados e senadores, prevê inflação anual de 15% para este ano. Nas contas do governo, isso seria suficiente para garantir uma arrecadação de quase 39,8 bilhões de pesos - número praticamente igual ao do ano passado.
Com 15% de cortes nas despesas, que cairiam para 42,8 bilhões de pesos, o governo garantiria um déficit fiscal (diferença entre receitas e despesas) de 2,9 bilhões de pesos em 2002, bastante inferior ao rombo de 10,5 bilhões de pesos registrado no ano passado.
A maioria dos economistas, no entanto, acredita que esse Orçamento é fantasioso. Segundo especialistas, é muito improvável que seja atingida a meta proposta de arrecadação, simplesmente porque o PIB deve cair muito mais do que os 5% previstos pelo governo em seu Orçamento.
"Há grandes chances de que esse Orçamento não feche, a não ser que haja inflação maior que a projetada pelo governo", disse Alexandre Schwartsman, economista-chefe da BBA Corretora.
As contas de economistas e organismos internacionais apontam para uma queda entre 8% e 15% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2002. Os sinais emitidos pela combalida economia argentina já apontam para uma séria retração da atividade. Desde janeiro, a arrecadação de impostos vem caindo a uma média mensal de 20%. Apenas no primeiro bimestre deste ano, o déficit fiscal acumulado pelo governo argentino já soma 1,4 bilhão de pesos. Cenário muito distante, portanto, da arrecadação estável de impostos em relação a 2001 esperada pelo governo.
Segundo estimativa feita por Schwartsman, o PIB argentino deve cair cerca de 12% este ano. Isso tende a levar a uma queda na arrecadação de impostos que, nas contas do economista, atingiriam 36,9 bilhões de pesos, número 7,2% menor que o esperado pelo governo. O déficit fiscal resultante seria de 5,8 bilhões de pesos.
Nesse contexto, nem mesmo a criação de novos impostos, que está sendo estudada pelo governo e deveria acarretar uma arrecadação extra de 4,3 bilhões de pesos, evitaria que o governo fechasse suas contas no vermelho.
Apenas uma inflação de 24%, segundo Schwartsman, garantiria a arrecadação proposta no Orçamento. Como a maior parte da arrecadação vem de impostos sobre vendas, o aumento dos preços acabaria beneficiando o governo.
Mas especialistas alertam que o governo argentino deve perseguir uma inflação controlada. Isso porque, se os preços disparam de forma desordenada, os trabalhadores podem cobrar reposições salariais, o que levaria à hiperinflação e a mais pressão cambial.
Segundo Sandra Utsumi, economista-chefe do BES Investimentos, outra dificuldade que será enfrentada pelo governo é o aperto fiscal.
"O problema é que o governo está perseguindo cortes pontuais - e não estruturais - de gastos. Isso tende a não ser sustentável no médio prazo", diz a economista.



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