São Paulo, domingo, 24 de março de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Sem mudar, Duhalde cai; se mudar, pode cair

FABRICIO VIEIRA
DE BUENOS AIRES

JOSÉ ALAN DIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente argentino, Eduardo Duhalde, se verá obrigado a realizar drásticas mudanças, primeiro em seu gabinete, depois na política econômica, para ganhar tempo e assegurar sobrevida a seu governo que nem sequer completou três meses. Mas, para analistas políticos, os dias de Duhalde estão, de toda forma, contados.
A mostra de debilidade da atual administração ficou explícita anteontem. O presidente, reiteradas vezes, afirmou que o câmbio estava sob controle. "Quem comprar dólares a 2,50 pesos perderá dinheiro." E o dólar fechou a 3,10 pesos na sexta. Quem comprou dólar a 2,50 pesos ganhou 24% em menos de uma semana.
O analista político Enrique Zuleta Puceiro diz que, diante do fracasso da faceta do Duhalde negociador e estadista, que deveria promover um governo de transição em um país arruinado, prevalecerá o Duhalde caudilho. Será o caudilho que substituirá técnicos/negociadores, como o ministro do Interior, Rodolfo Gabrielli, e o chefe de Gabinete, Jorge Capitanich, por figuras políticas. Apenas nesse contexto, faria sentido sondagens como a feita ao governador de Córdoba, José Manuel de la Sota (presidenciável e um desafeto público), para que assumisse a chefia de Gabinete.
O malabarismo político impediria que a derrocada de seu governo acontecesse antes de maio.
"Ele [Duhalde" quer morrer matando, encurralando seus inimigos, porque sabe que não teria chances em um pleito eleitoral. Só não enfrenta mais problemas agora porque não tem adversários: De la Sota e Néstor Kirchner [governador de Santa Cruz e outro presidenciável do Partido Justicialista" também são execrados por boa parte da população."
Um dos temores de Duhalde é que os protestos voltem a ganhar fôlego e saiam de controle, como nos últimos dias de governo de Fernando de la Rúa, que renunciou em dezembro de 2001.
"A disparada do dólar, o consequente aumento da inflação e o desemprego recorde podem fazer o colapso que derrubou De la Rúa voltar a explodir. Duhalde sabe o risco que corre e deve começar a anunciar planos sociais para tentar acalmar os ânimos", afirma o cientista político Hugo Haime.
Para Oscar Raúl Cardozo, outro analista político, os protestos populares perderam impacto apenas temporariamente. "Passamos por uma espécie de calma antes da tormenta. Estamos à beira de um retorno de protestos mais intensos", diz.
Mais abreviados podem ser os tempos do ministro da Economia Jorge Remes Lenicov. A penca de elogios por parte da comunidade financeira internacional para suas demonstrações de racionalidade tem se mostrado inócua. Lenicov não conseguiu arrancar o que é vital à Argentina: apoio financeiro. Duhalde, o mesmo que ratificou o plano econômico do ministro, virou-lhe as costas ao responsabilizá-lo pela desvalorização. Demitir Lenicov e voltar ao câmbio fixo e à conversibilidade, essa última possibilidade admitida pelo presidente na sexta-feira, em Monterrey (México), é uma alternativa que ganha fôlego.
"Lenicov não resiste a um dólar a 4 pesos. Mas dólar a 4 pesos não significa apenas a cabeça de Lenicov. É violência social, hiperinflação e convocação de eleições adiantadas", diz Puceiro.
A desvalorização do peso, que já alcança os 68% desde o fim da conversibilidade, no início de janeiro, empobreceu ainda mais a população. Atualmente, cerca de 40% dos argentinos vivem abaixo da linha de pobreza. "Os setores mais pobres da Argentina estão prontos para ir às ruas. A crise social já é maior que a do período de De la Rúa", afirma o analista Aldo Abram, da consultoria Exante. "Hoje, vivemos sob uma bomba-relógio social. A opinião pública já está em uníssono pedindo a cabeça da classe política. Mas é Duhalde quem está à frente do poder no momento", diz Abram.



Texto Anterior: Caixa do governo precisa de inflação, dizem economistas
Próximo Texto: Ira popular ameaça a segurança dos políticos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.