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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Poder e dinheiro
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
As trocas de acusações de
uso indevido da coisa pública ocupam um espaço cada vez
maior no debate político, sobretudo nos períodos de competição
eleitoral. Isso acontece, em grande medida, porque nunca foram
tão íntimas as relações entre a política e os negócios. Alguém pedirá a palavra para repetir que a
corrupção é inerente à natureza
humana. Pode ser, mas também é
possível demonstrar que, em certos momentos da história recente,
as crenças, os valores, as práticas
predominantes na sociedade -a
ética, diria Hegel, e não os arroubos de moralismo narcisista-
conseguiram acuar a corrupção
nos becos escuros da vida social.
Os que estudam o fenômeno da
generalização das práticas ilícitas
e ilegais não têm nenhuma dúvida em apontar como causa mais
importante a infiltração corrosiva da lógica do dinheiro em todas
as esferas da vida social. Max Weber, por exemplo, o sociólogo preferido do presidente Fernando
Henrique Cardoso, notava que o
sistema social e político do capitalismo seria submetido a tensões
insuportáveis na ausência de
uma burocracia pública cujos valores maiores fossem a honra, a
dignidade, o status, o sentido de
dever para com a comunidade.
Por isso era necessário que fossem
concedidos a essa camada os "privilégios" da independência funcional, da irredutibilidade dos
vencimentos, da garantia de permanência no cargo (que poderia
ser suspensa no caso de falta grave), do direito a uma aposentadoria especial. Em compensação, o
acesso a esses cargos seria obtido
por meio de concurso público severo, e seu desempenho seria regulado por normas rígidas de administração pública.
Tais cuidados foram sendo
substituídos pela enlouquecida
busca da "eficiência" no trato da
coisa pública, o que significou, na
prática, abrir as portas para que o
particularismo e o interesse privado fossem tomando conta dos
negócios do Estado. Não é, portanto, surpreendente que os escândalos se multipliquem. Os liberais querem resolver isso fazendo com que o Estado deixe de intrometer-se nos assuntos econômicos. Mas, hoje em dia, em toda
a parte, são os mercados que se
intrometem na política. A concorrência entre as grandes empresas
não só impõe a presença do Estado nos negócios mas envolve a
disputa por sua capacidade reguladora e a luta pela captura de recursos fiscais.
Daí o enriquecimento repentino
e sem causa, a afluência abusada
e agressiva. O Estado plutocrático
não tem outra regra senão a violação sistemática dos princípios
que deveriam reger a administração pública no Estado de Direito.
O arbítrio, o favorecimento, o segredo e a obscuridade são constitutivos de seu modo de funcionamento.
Junta-se a isso não só a concentração crescente dos processos de
formação da opinião pública nas
grandes empresas de comunicação como também a especialização da mídia na difamação e na
desmoralização dos dissidentes. É
a liberdade de produzir notícias
devorando a liberdade de informação e de opinião. Não se trata
mais, por desnecessária, da censura do Estado, sobejamente óbvia para não ser repugnante.
É a degeneração da liberdade
negativa. A liberdade de uns descamba para a interdição das
idéias, das palavras e das personalidades dos concorrentes. A
mentira e a falsificação tornam-se endêmicas. Nesse clima abafado, prosperam as razões e os impulsos dos ressentidos, primeiro
de forma dispersa, depois transmitido com a velocidade da peste.
No devido tempo, a dispersão se
transfigura numa unanimidade,
encabeçada por uma liderança
autoritária e supostamente "esclarecida".
O império da lei, assim como
seus embaraços e delongas processuais, será então substituído
pela opinião fulminante, pela
partidarização dos poderes republicanos -isso quando não naufragar diante da conduta fora-da-lei dos agentes do poder público em contubérnio com os promotores de escândalos. O julgamento
fundado na argumentação racional das partes e na livre formação
da convicção do juiz cederá lugar,
finalmente, ao justiçamento praticado pelos esbirros do abuso.
Fernando Henrique sabe o que
diz: quem vigia as eleições é a mídia.
O gosto por formas de controle
social autoritárias -"resolvistas"- é mais disseminado do que
costuma imaginar a nossa vã filosofia. Gente de bem, alinhada e
até bem-falante, alimenta desejos
secretos e nem por isso menos ardentes de ver o país governado de
forma despótica, não obstante
"esclarecida". Nada de Estado de
Direito, interdependência dos Poderes, garantias individuais, Judiciário independente e outras tapeações da democracia. Os que
antes reivindicavam e sustentavam regimes autoritários ou a
presença de tiranetes no governo
das nações podem ficar tranquilos: as "democracias de mercado"
vêm conseguindo enfrentar com
maior eficiência os riscos de uma
ruptura do status quo promovida
por oposicionistas ou competidores recalcitrantes. O truque é convencer a malta de que os que realmente mandam são os donos da
grana e da informação e seus funcionários no Estado -estão acima dos demais, dotados de entendimento, sabedoria e princípios
morais superiores aos dos simples
mortais.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 59, é professor
titular de Economia da Unicamp. Foi
chefe da Secretaria Especial de Assuntos
Econômicos do Ministério da Fazenda
(governo Sarney) e secretário de Ciência
e Tecnologia do Estado de São Paulo
(governo Quércia).
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