São Paulo, quinta, 24 de abril de 1997.

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Pinóquios no mundo de tigres, gatos e ratos

ALOYSIO BIONDI
Os ``tigres'' viraram gatos e mais cedo do que se pensa voltarão a enfrentar a condição de ``ratinhos'' da economia mundial. Os famosos ``tigres asiáticos'', tão festejados como ``exemplos'' para o Brasil, estão às voltas com gigantescos ``rombos'' em sua balança comercial, isto é, suas importações são imensamente maiores do que as exportações.
A famosa Coréia do Sul, com seus famosos carros resplandecentes, enfrenta um saldo negativo de US$ 23 bilhões, em um ano; Hong Kong, US$ 19 bilhões, e as Filipinas, Tailândia e Cingapura, rombos de US$ 13 bi; US$ 12 bi e US$ 7 bi, respectivamente.
Os economistas-banqueiros, os líderes empresariais capachildos, os de-formadores de opinião continuam a dizer, para a sociedade brasileira, que a equipe FHC está certíssima em ``escancarar'' o mercado às importações, para ``modernizar a economia''. Apontam os ``tigres asiáticos'' como modelo. Não dizem que os ex-tigres estão afundando, viraram ``gatos''. Exatamente como ocorreu com o México, apontado como ``exemplo'' para o Brasil durante anos sem que os seus adoradores olhassem para as estatísticas e vissem que mais cedo ou mais tarde o México ``quebraria''. Aí, com a maior cara de pau. Os Pinóquios arrumaram mil explicações cretinas para continuar defendendo a ``abertura'' da economia dos países menos desenvolvidos às multinacionais e aos países ricos. Exatamente como se faz no Brasil, onde uma equipe econômica irresponsável e lideranças empresariais submissas estão promovendo a destruição da indústria, a destruição de empregos e levando a economia a novas situações de beco sem saída.
Outro lado
Os antigos ``tigres'' asiáticos acumulam ``rombos''. E os países ricos? Nadam em dólares. Acumulam saldos fantásticos, nesta ordem: Japão, US$ 81 bilhões; Alemanha, US$ 65 bilhões; Itália, US$ 43 bilhões; Canadá, US$ 25 bilhões; Holanda (a minúscula Holanda...), US$ 23 bilhões; França, US$ 19 bilhões, Suécia, US$ 17 bilhões. É só olhar os dois lados da moeda: ``rombo'' dos países pobres, ``saldo'' dos países ricos.
É esse o resultado da política de ``escancaramento'' do mercado de desnacionalização, aconselhada por FMI, EUA e demais países ricos aos governos desfibrados do Terceiro Mundo.
``Corredores''
Por que os ``tigres'' se metamorfoseiam em gatos ou ratos? Porque as multinacionais, quando o mercado é ``escancarado'' para elas, passam a importar peças, componentes e até matérias-primas de seus países.
Quebram as indústrias (e a agricultura) locais que antes abasteciam o mercado. As filiais formam verdadeiros ``corredores de importação'', comprando tudo no país-matriz, como revelado na década de 70 pelo então ministro Severo Gomes (que certamente morreria de vergonha, se vivo fosse, ao ver a política de país arrasado implantada por seus antigos amigos economistas, sociólogos, políticos, em meio à submissão das lideranças empresariais).
Em silêncio
Numa primeira etapa, as multinacionais roubam o mercado das indústrias nacionais, torram dólares do país. Aí, as empresas locais mergulham em problemas. Ou quebram. Ou são vendidas às múltis, o que -atenção- equivale a uma ``quebradeira silenciosa''.
Essa ``quebradeira'' é apresentada pelos Pinóquios como algo maravilhoso, ou ``prova do enorme interesse pelo Brasil no exterior, graças ao maravilhoso governo que temos''. Pois é. Rombo, desnacionalização, mais rombo, mais desnacionalização. Quando é que a sociedade brasileira vai acordar para o que está acontecendo?
Sem pudor
Em entrevista de página inteira ao jornal ``O Globo'' do último domingo, 20 de abril, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, volta a prever que as exportações brasileiras crescerão, e a balança comercial terá saldo positivo.
Não custa relembrar o que o sr. Pedro Malan dizia há dois anos, ao ``Correio Brasiliense'' de 30 de abril de 1995, quando os ``rombos'' começaram: ``Vamos virar esse jogo... Logo, logo (sic), teremos superávit na balança comercial... Digo isso com base em exportações recordes...'' Foi assim que o Brasil afundou. Com dois anos de explicações dignas de Pinóquio por parte da equipe FHC.


Aloysio Biondi, 60, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha e diretor de Redação da revista ``Visão''. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.

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