São Paulo, terça-feira, 24 de maio de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Arapuca eleitoral

BENJAMIN STEINBRUCH

A Folha do último dia 15 trouxe a informação de que o governo deverá manter a meta de inflação para 2006 em 4,5% e, além disso, fixar também a meta para 2007 nesse mesmo percentual.
Essa decisão, que hoje parece ter a aprovação da maioria da cúpula do governo, poderá ser ratificada pelo Conselho Monetário Nacional em sua reunião de junho. Ela se fundamenta na idéia de que uma eventual flexibilização da meta daria munição à oposição para acusar o governo de afrouxar a política de combate à inflação para fazer gastos com objetivos eleitorais -em 2006, haverá eleições para presidente da República, para governadores, para parte dos senadores e para deputados federais e estaduais.
Considero tal idéia equivocada. Isso porque um eventual ajuste na meta de inflação, para 6% em 2006 e 5,5% em 2007, por exemplo, não mudaria praticamente nada na atual política, mantendo-se a necessidade de rigoroso controle monetário e fiscal. Outra opção seria alargar o prazo para obtenção da meta, sem mexer na taxa de 4,5%.
Uma pregação oposicionista voltada para desacreditar a firmeza do governo na política antiinflacionária por causa desses pequenos ajustes dificilmente terá apoio das áreas técnicas que vierem a analisar a questão sem o viés político-eleitoral. Ou seja, será fácil refutar tecnicamente eventuais críticas eleitoreiras de políticos envolvidos na disputa de 2006.
Não é razoável tentar manter metas tão ambiciosas nem à luz da história inflacionária do país -o Brasil só conseguiu índices de inflação anuais inferiores a 4,5% duas vezes em sua história, uma em 1946 e outra em 1998- nem levando em conta as experiências internacionais nessa matéria.
O exemplo do Chile tem sido muito citado para comprovar a tese dos que defendem um tratamento mais gradual na política de redução da inflação. Quando o Chile adotou o sistema de metas, em 1989, tinha uma inflação anual de 26%. Com sua política gradualista, levou oito anos para reduzir a taxa para 6,1%. Esse tratamento permitiu ao país desfrutar de altos índices de crescimento, que atingiram 8,2% em média no período encerrado em 1998. A partir daquele ano, o Chile continuou aplicando políticas monetária e fiscal fortemente contracionistas, conseguiu reduzir ainda mais a inflação, para 2,5% em 2003, mas seu crescimento médio anual caiu bastante.
O caso do Chile e os de outras economias em desenvolvimento têm confirmado evidências de que os picos de crescimento em países emergentes se dão em períodos de inflação oscilante entre 5% e 10% ao ano. Sempre que os índices ultrapassam esses limites, tanto para baixo como para cima, há prejuízos para a expansão econômica.
Se continuar perseguindo a meta de 4,5% em 2006, o Banco Central, que já é excessivamente conservador, não terá espaço para reduzir as espantosas taxas de juros atualmente em vigor.
O governo Lula, portanto, está caindo em uma arapuca eleitoral. Quer manter a meta ambiciosa e irrealista porque está preocupado em escapar das críticas à falta de firmeza na política de austeridade monetária e fiscal. Com isso, poderá dar munição eleitoral ainda mais pesada à oposição na campanha de 2006. O efeito dessa dose exagerada de austeridade sobre a economia fatalmente será a redução das taxas de crescimento da produção e do emprego. Isso, sim, será desastroso em termos eleitorais.
Se fugir dessa arapuca, o governo Lula estará, ao mesmo tempo, melhorando o ambiente brasileiro para investimentos nacionais e estrangeiros. É um equívoco achar que os credores e investidores externos se preocupam unicamente com a austeridade monetária e fiscal. Isso não vale nada se a economia não estiver em expansão. A principal razão que leva qualquer empresa a investir é a perspectiva de crescimento do mercado.
Tudo isso mostra quão importante é a discussão da meta da inflação. Não se pode aceitar como líquida e certa a manutenção dos índices de 4,5% para 2006 e 2007. A flexibilização da meta não macula a política de austeridade, ajuda a reduzir os juros e terá efeito positivo na atividade econômica e no emprego.


Benjamin Steinbruch, 51, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
E-mail - bvictoria@psi.com.br


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