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OPINIÃO
Incentivos também precisam ser regulamentados
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
PROPOSTAS de reforma
na regulamentação financeira se tornaram
onipresentes. As mais significativas vieram dos Estados
Unidos, onde o governo do presidente Barack Obama apresentou um pacote abrangente,
porém tímido, de ideias. Mas
será que essas propostas tornarão o sistema menos propenso
a crises? Minha resposta: não.
O motivo para o pessimismo
é que a crise exacerbou as fraquezas do setor. É improvável
que as reformas pretendidas
sejam capazes de compensar
esse perigo.
No cerne das atividades do
setor financeiro, temos empresas com alto endividamento. A
atividade central dessas empresas é criar e negociar ativos
de valor incerto, enquanto seus
passivos, como os acontecimentos recentes serviram para
nos lembrar, são garantidos pelo Estado. Isso equivale a uma
licença para apostar com o dinheiro do contribuinte. O mistério é que crises só irrompam
tão raramente.
O ponto de partida deveria
ser o cerne do capitalismo moderno: as empresas que funcionam como sociedades por
ações com responsabilidade limitada. Os grandes bancos comerciais estão entre os mais
importantes produtos da revolução causada pelas sociedades
de responsabilidade limitada.
Mas os bancos representam
uma categoria especial de empresa; para eles, a dívida é mais
que uma maneira de fazer negócios; ela é o negócio. Assim, a
responsabilidade limitada deve
certamente exercer impacto
excepcionalmente forte sobre
seu comportamento.
Lucian Bebchuk e Holger
Spamann, da Escola de Direito
da Universidade Harvard, ressaltam esse importante ponto
em um excelente estudo recente. O foco do trabalho está nos
incentivos que afetam a gestão
de companhias financeiras.
A questão tem imensa importância. Em um mundo de alto endividamento e responsabilidade limitada, os acionistas
assumirão riscos excessivos de
maneira racional, porque podem desfrutar de todos os ganhos obtidos, mas suas perdas
estão limitadas ao valor do capital acionário que detiverem,
não importa qual seja a dimensão do prejuízo do banco.
Nos
bancos contemporâneos, um
índice de alavancagem de 30
para 1 com relação ao capital é
considerado normal.
Pense em dois modelos de
negócio com a mesma expectativa de retorno. Em um, os retornos são seguros e firmes; no
outro o resultado consiste de
períodos prolongados de retornos altos entremeados por ocasionais prejuízos catastróficos.
Os acionistas racionais preferirão o segundo modelo.
Os professores Bebchuk e
Spamann acrescentam que
quatro características do sistema financeiro moderno agravam ainda mais a situação: primeiro, o capital dos bancos é
parcialmente bancado por dívidas; segundo, o papel das holdings bancárias pode reforçar
ainda mais o incentivo ao risco;
terceiro, os executivos são recompensados por alinhar seus
interesses aos dos acionistas; e
quarto, algumas das formas de
remuneração aos executivos
(por exemplo, opções de ações)
são elas mesmas um mecanismo sincronizado ao das recompensas aos acionistas.
Uma solução parece evidente: permitir que os credores sofram prejuízo. Os credores racionais, com isso, passariam a
cobrar um ágio por seus empréstimos às operações de
maior risco, o que conduziria a
um endividamento menor.
Mecanismos de seguro
Uma objeção é que os credores podem estar mal informados quanto aos riscos que os
bancos correm. Mas há uma
objeção mais forte: muitos credores estão protegidos por mecanismos de seguro garantidos
pelos governos. Esses seguros
existem devido à importância
das instituições financeiras como fontes de crédito, do lado
dos ativos, e como fornecedoras de dinheiro, do lado do passivo. Como resultado, os credores têm pouco interesse na qualidade dos ativos de um banco.
Parece que emprestaram dinheiro a um banco. Mas na verdade o emprestaram ao Estado.
A grande lição da atual crise
financeira é até que ponto esse
seguro pode chegar no caso de
instituições consideradas grandes ou interconectadas demais
para falir. Os grandes bancos
raramente enfrentam problemas isoladamente; muitas vezes cometem erros similares;
além disso, a quebra de um deles afeta a solvência (real ou
percebida) dos demais. Assim,
os credores sofrem seu maior
risco em caso de crise sistêmica.
Mas uma crise sistêmica é
exatamente a ocasião em que
os governos se sentem compelidos a sair em seu resgate.
Segundo o "Relatório sobre a
Estabilidade Financeira Mundial", do FMI, em 2008 o apoio
oferecido por bancos centrais e
governos nos EUA, no Reino
Unido e na zona do euro à área
financeira chegou a US$ 9 trilhões -US$ 4,5 trilhões em forma de garantias.
Os balanços
dos Estados foram colocados à
disposição dos bancos. Isso não
significa que o risco para os credores tenha desaparecido. Mas
certamente foi atenuado.
Rigidez
A solução conhecida é a de
regulamentar essas instituições de maneira muito rígida.
Mas uma parte enorme daquilo
que os bancos fizeram no começo desta década -os veículos de investimento excluídos
dos balanços, os derivativos e o
"sistema bancário paralelo" em
si- representa esforços de escapar da regulamentação.
A questão evidente é tentar
determinar se as coisas serão
diferentes desta vez. Qualquer
pessoa sensata deveria duvidar
disso. Na verdade, isso é ainda
mais improvável com a maior
capitalização dos bancos. A hora é de apostar tudo.
Uma crise como esta não decorre apenas de respostas racionais a incentivos. Insensatez
e ignorância tiveram seu papel.
E tampouco acredito que se
possa eliminar as crises e bolhas do capitalismo. Mas é difícil acreditar que os riscos assumidos nada tinham a ver com
os incentivos. A desagradável
verdade do momento é que, hoje, o incentivo a um comportamento arriscado se tornou talvez ainda mais forte do que era
o caso antes da crise.
A reforma na regulamentação não deveria se limitar aos
incentivos. Mas precisa começar por eles.
Uma empresa
grande demais para falir não
pode ser dirigida de acordo com
os interesses dos acionistas,
porque deixou de ser parte do
mercado. Ou se deve encontrar
um caminho que permita fechá-la quando requerido ou sua
gestão precisa ser conduzida de
outra forma. A verdade é simples e brutal assim.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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