São Paulo, terça-feira, 24 de julho de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

Brasil feliz e infeliz


Enquanto vícios estruturais não forem corrigidos, triunfos como o do taekwondo serão um mero e feliz acaso

O BRASIL tinha tudo para ser feliz na semana passada. O Pan começou com bons resultados para os brasileiros. O primeiro ouro veio em um esporte cujo nome a maioria das pessoas nem sabia pronunciar -taekwondo-, mas o medalhista é uma lição de vida. Diogo André Silveira da Silva não é um iniciante no esporte. Disputou a medalha de bronze na Olimpíada de Atenas e ficou em quarto lugar nesse esporte, uma arte marcial coreana surgida há 2.000 anos.
Menino pobre, Diogo tinha tudo para entrar no mundo do crime na adolescência. Uma frase dele, após receber a medalha, foi marcante: "No bairro onde eu nasci, para você ser alguém, tinha que ter uma arma". Mas a mãe o tirou da rua e conseguiu colocá-lo em uma academia. Hoje, ele enche de lágrimas os olhos dos brasileiros, de orgulho.
Com esse exemplo, a semana começou esplendida. Infelizmente, uma tragédia estarreceu o país na terça, quando o avião da TAM se chocou contra um prédio da própria companhia aérea ao tentar pousar em Congonhas e levou cerca de 200 pessoas à morte. Mais lágrimas, agora de pesar, vergonha e revolta. Escrevi neste espaço, há duas semanas, sobre a crise aérea brasileira.
Na conclusão do artigo, sugeri que a crise só poderá ser debelada a médio e longo prazos se os protagonistas desse teatro assumirem suas responsabilidades. O governo, com planejamento, investimentos públicos e estímulo aos empreendimentos privados para recuperar a infra-estrutura aeroportuária. As empresas, com investimentos em modernização de equipamentos e gestão.
Não mudei de idéia. Os familiares e amigos das vítimas do acidente de Congonhas têm direito a tudo: chorar, gritar, desabafar, xingar e acusar. Eles estão com o coração partido pela perda de pessoas amadas. Querem, como todo o país quer, medidas imediatas, inadiáveis.
Mas todos aqueles que, por graça de Deus, não tiveram entes queridos envolvidos no desastre, além de exigir medidas emergenciais, têm obrigação de lembrar que o país chegou a esse ponto de descalabro por problemas que não se iniciaram hoje.
Quando se prega a obstinação por crescimento econômico, é sobre bem-estar e segurança que se está falando. Quando se diz que a meta de inflação deve ser 4,5%, e não de 4%, em 2009, é disso que se está falando. Quando se defende uma redução mais corajosa dos juros básicos, é disso que se está falando.
Políticas econômicas exageradamente conservadoras, como as que têm sido adotadas nos últimos dez anos, inibem o planejamento e o investimento, comprometem a infra-estrutura, ceifam empregos e, a longo prazo, levam a desastres. As vítimas do avião da TAM, ou do da Gol, chocam o país. Não poderia ser diferente. Mas há milhares de outras pessoas anonimamente vitimadas a cada dia nas estradas mal conservadas, nas periferias tomadas pela violência, nos hospitais abandonados e nas cidades distantes de nossos olhos, onde a falta de saneamento básico leva à morte milhares de crianças antes de completar um ano.
Desleixos e irresponsabilidades que possam ter provocado a tragédia de Congonhas precisam ser apurados e punidos exemplarmente. Não dá para esperar anos por essas apurações, como infelizmente tem ocorrido em desastres recentes.
O país, porém, tem vícios estruturais que também precisam ser corrigidos com urgência. Enquanto essa correção não for feita, triunfos como o de Diogo Silva continuarão sendo um mero e feliz acaso. Pela lógica social brasileira, ele estaria hoje com uma arma na mão.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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