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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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NOVO MANTRA

Para diretor do Morgan Stanley, país é dos poucos que seguem o Consenso de Washington e não estimulam crescimento

Brasil precisa de nova dieta, afirma analista

MARIA LUIZA ABBOTT
DE LONDRES

O Brasil precisa de um novo equilíbrio na política econômica, com superávit primário menor e mais crescimento, senão vai permanecer na situação em que está há anos, entre crises e uma ausência relativa de crises. Essa é a avaliação de uma respeitada voz do mercado financeiro internacional, o diretor de mercados emergentes do banco de investimentos americano Morgan Stanley, Narayan Ramachandran.
"Em um momento do ciclo, os juros nominais talvez caiam para 15% e tudo vai parecer bem. De repente haverá algum tipo de crise no mundo ou outra crise brasileira e tudo vai parecer mal de novo. Isso aconteceu três vezes desde 1999", disse Ramachandran em entrevista à Folha por telefone, pois estava em Cingapura.
Em um artigo recente, publicado pelo "Financial Times", o economista afirmou que o mundo, hoje, assiste à "morte do Consenso de Washington e a sua rápida substituição pelo mantra "get growth going" (algo como "mantenha o crescimento'), ou GGG".
O GGG seria a adoção de políticas que estimulem a demanda e sustentem o crescimento. Mas Ramachandran afirma que alguns países ainda seguem as diretrizes do antigo consenso, e o maior exemplo seria o Brasil.


No Brasil, poderia haver uma discussão sobre se é possível um pouco mais de equilíbrio entre crescimento [econômico] e disciplina fiscal



Crescimento é sempre bom, é o sangue da vida de uma economia, de um país, de um povo. A questão é se é possível crescer sem criar inflação


Ele compara o Brasil a uma pessoa que está de regime há anos, e a dieta não está funcionando, por isso estaria na hora de mudar. Segundo Ramachandran, o país tem que buscar um equilíbrio melhor, reduzindo o aperto fiscal e criando mais espaço para crescimento.
Tudo isso, diz, precisaria ser acertado com o FMI (Fundo Monetário Internacional), para que os mercados tivessem confiança. Por ser um enorme devedor mundial, o Brasil precisa seguir o FMI, já que os investidores vêem o país com "os óculos" do Fundo.
 

Folha - O senhor escreveu, em artigo no "Financial Times", que o Consenso de Washington está morrendo, embora ainda esteja sendo seguido no Brasil. Que tipo de receita o Brasil deveria seguir?
Narayan Ramachandran -
Os três países que estão seguindo ainda, de forma geral, aquele plano, são Brasil, Turquia e, em menor medida, a Argentina. Os três estão profundamente endividados com o resto do mundo e têm pouca escolha, a não ser seguir o que o FMI prescreve. Meu argumento não é oferecer uma solução uniforme para todos, mas dizer que receitas diferentes precisam ser adotadas para diferentes países. Por exemplo, na Argentina uma receita de disciplina fiscal pode ser ainda apropriada. No Brasil, poderia haver uma discussão sobre se é possível um pouco mais de equilíbrio entre crescimento e disciplina fiscal.
Os mercados tratam automaticamente de forma negativa qualquer outra receita que não seja a do FMI. A questão é se em discussão com o FMI pode haver um pouco mais de equilíbrio entre crescimento e inflação.

Folha - O senhor escreveu que o Consenso de Washington não é a solução.
Ramachandran -
O que eu não acredito é que o Consenso de Washington deva ser aplicado a cada economia da mesma maneira. Como um participante do mercado e alguém que acredita em disciplina fiscal e monetária, penso que há elementos do Consenso de Washington que fazem muito sentido. A alternativa seria gastar de forma desregrada e construir pontes para lugar nenhum, como o Japão pode estar fazendo. O que recomendo é uma solução para cada país.
No caso do Brasil, o que poderia ser discutido são iniciativas direcionadas de crescimento em combinação com superávits primários. Mas o FMI tem que estar aberto para essa possibilidade, porque, se não estiver aberto, então acabam as apostas.

Folha - O senhor quer dizer que os mercados não confiariam em uma receita que fosse fora do FMI?
Ramachandran -
O FMI é o emprestador de última instância. O FMI não importa mais para Coréia do Sul ou Tailândia, porque eles pagaram suas dívidas. Mas o FMI importa para Brasil e Turquia. Os óculos dos mercados são aqueles dados pelo FMI . No caso da Argentina, disciplina fiscal é a solução correta, mas pode haver uma discussão se essa disciplina fiscal tão severa é a solução correta para a Turquia e o Brasil.

Folha - Por que essa diferença ?
Ramachandran -
O Consenso de Washington tem princípios corretos, não estou fazendo um discurso antifundamentalista de mercado. Tudo o que estou dizendo é que ele é uma solução única, aplicada a todos os países.

Folha - Por que a discussão agora está centrada em crescimento, quando antes estava centrada em disciplina?
Ramachandran -
Crescimento é sempre bom, é o sangue da vida de uma economia, de um país, de um povo. A questão é se é possível crescer sem criar inflação. Neste momento, há um vento global desinflacionário, e esse vento ajuda países de alta inflação, porque a pressão externa sobre a inflação é mantida baixa. Há uma chance decente de a inflação surpreender para baixo, contanto que o Brasil mantenha algumas disciplinas. Há argumentos de que o Brasil ficou apertado demais nos últimos anos, no governo [Fernando Henrique] Cardoso. É como estar em uma dieta permanente, particularmente se alguém está de dieta e não perde peso, não tem os resultados esperados. O Brasil está em um tipo de dieta permanente, e a questão é se é possível comer mais se fizer exercícios, e, fazendo isso, sentir-se mais saudável.

Folha - É um tratamento?
Ramachandran -
É uma cura muito drástica. A doença é o Brasil ser um enorme devedor, a questão é como curar a doença. Cura apertando, apertando, apertando? Ou cura a doença ao tomar medidas sensatas, com políticas equilibradas? A desconfiança que o mercado tem, e é baseada na história, é que no momento em que essa flexibilidade for permitida, os políticos vão gastar em coisas inúteis. A orientação e o compromisso do governo podem ser mais importante do que o modelo. O modelo da receita pode ser alterado. Então, países diferentes seguem caminhos diferentes. A Malásia seguiu um caminho diferente do da Indonésia e da Coréia do Sul na saída da crise de 1998.
A saída seria uma discussão entre o FMI e o Brasil que dissesse que, agora que alcançamos mais do que 4,25% de superávit [primário] e a inflação está caindo, vamos nos comprometer juntos a um equilíbrio entre crescimento e inflação. E um comunicado ao mercado que diga sim, o FMI está junto com esse plano equilibrado. A coisa chave para o governo do Brasil é gastar de forma sábia.

Folha - Seriam projetos de criação de empregos?
Ramachandran -
Empregos vão se tornar a questão. Quando se mantém o aperto, não se cria empregos. Não estou sugerindo abandonar o FMI e partir para o crescimento. Essa é uma visão esquerdista, e isso não é realmente o que estou sugerindo. O que sugiro é um equilíbrio e uma estratégia sensata de crescimento que permita a criação de empregos. Não acredito que tenha havido sucesso em um aperto constante.

Folha - Quais as perspectivas se o Brasil não alcançar esse equilíbrio?
Ramachandran -
O Brasil vai ficar indo e voltando, entre crises e uma ausência relativa de crises. Em um momento do ciclo, os juros nominais talvez caiam para 15%. E tudo vai parecer bem. De repente haverá algum tipo de crise no mundo ou outra crise brasileira, e o Brasil vai parecer mal de novo. Isso aconteceu três vezes desde 1999. É claro que reforma previdenciária, tributária, todas essas coisas precisam acontecer. Esses elementos do Consenso de Washington precisam ser feitos, mas, há uma maneira de equilibrar crescimento e inflação.

Folha - O Brasil pode, então, ter um superávit primário menor e crescimento maior?
Ramachandran -
Sim, mas um superávit primário menor tem que ser direcionado de forma apropriada. Não construir pontes e estradas para lugar nenhum, por pressão do eleitorado. Mas sim construir vantagens estruturais para a economia, desde educação a certos setores industriais. Talvez o setor agrícola. Acho que o debate deve ser esse equilíbrio e não apenas lutar contra a inflação, lutar contra a inflação. Não vamos confundir. O Brasil se pôs nessa situação por ser um enorme devedor ao resto do mundo.
Não estou sugerindo que o único problema é o Consenso de Washington. É um problema grande, tanto para a Turquia quanto para o Brasil, porque eles mesmos criaram. Outros países não criaram. Mas, ao mesmo tempo, acho que agora, com esses ventos desinflacionários no mundo, pode haver um melhor equilíbrio.

Folha - Há quem defenda que, embora haja restrições domésticas com aperto fiscal e monetário, é possível crescer por meio das exportações. O que o senhor acha disso?
Ramachandran -
Isso funciona em economia clássica. Quando a moeda entra em colapso, então a balança comercial se recupera, e essa recuperação ajuda o crescimento do PIB. Foi isso que aconteceu na Coréia do Sul em 1998, e é isso que está acontecendo no Brasil agora. Mas o Brasil não tem uma economia externa organizada como outros. Uma das estratégias a serem seguidas pode ser se tornar globalmente competitivo em certos setores. Não só em preço, como está acontecendo. O Brasil precisa criar valor agregado em setores de exportação, não apenas porque o minério de ferro ficou 20% mais barato porque o real se depreciou. Talvez gastar de forma sábia seriam cortes de impostos em certos setores que têm mais valor agregado. Não sei exatamente como fazer. Estou apenas dizendo que há múltiplas formas de fazer isso. Exportações são um dos aspectos, mas não o único.

Folha - Não é suficiente?
Ramachandran -
Não. O Brasil tem uma economia interna razoavelmente grande. Todos os países que se concentraram apenas em exportação estão tentando fazer o contrário. A Tailândia, que fez isso, agora está tentando duramente substituir crescimento puxado por exportações por um crescimento puxado de forma mais equilibrada por exportações e economia interna.

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