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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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"FASE DOIS"

Segundo documento do governo, setores considerados estratégicos terão prioridade na concessão de benefícios

Política industrial deve estimular fusões

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Um dos pilares da "fase dois" da economia no governo Luiz Inácio Lula da Silva, a política industrial vai estimular a fusão de empresas de pequeno e médio porte e dará prioridade à concessão de benefícios e incentivos fiscais a quatros setores da economia que foram classificados como estratégicos: componentes microeletrônicos, programas de computador, medicamentos (sobretudo os genéricos) e bens de capital (máquinas e equipamentos).
A Folha teve acesso ao documento "Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior". É a versão quase acabada para o que há de mais polêmico hoje no debate econômico e que opõe os chamados "desenvolvimentistas" aos que se preocupam mais com o ajuste das contas públicas. O texto ensaia um difícil equilíbrio entre as duas correntes.
No caso das fusões -uma novidade no debate da política industrial-, a intenção do governo seria aumentar as condições para as empresas nacionais competirem no mercado internacional. Não há indicações no documento dos setores que poderão ser alvos desse "estímulo" governamental.
Depois de meses de discussão na Câmara de Política Econômica, agora só falta o grupo composto por representantes dos ministérios da Fazenda, do Planejamento, do Desenvolvimento e do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) bater o martelo. Isso está marcado para acontecer na quarta-feira.
Em favor dos "desenvolvimentistas", o documento diz que o mercado não dá conta de construir nem sustentar um ambiente fértil para as inovações e defende claramente o uso de mecanismos de política industrial, como incentivos fiscais e subsídios, além de crédito facilitado.
Somente neste ano, a Receita Federal já abrirá mão de arrecadar cerca de R$ 24 bilhões em benefícios tributários.
O documento não fala em custo da nova política industrial, mas o Ministério da Fazenda condiciona a concessão de novos incentivos ao cancelamento de parte daqueles concedidos atualmente, como as deduções de gastos com educação e saúde no Imposto de Renda da classe média.
A principal contribuição dos chamados "fiscalistas" aparece nas contrapartidas que o documento exige dos futuros beneficiários de incentivos fiscais, a serem concedidos por um tempo limitado.
Os empresários que forem beneficiados terão de cumprir metas de exportação ou criação de empregos. As contrapartidas, diz o texto, têm um objetivo: "Premiar a eficiência, para que a política não seja entendida com uma benesse".
Os resultados dos programas deverão ser divulgados em relatórios anuais e checados por meio de auditorias -outra novidade introduzida na história dos incentivos fiscais no país.
Um grupo interministerial ficará encarregado de monitorar mercados, empresas, setores econômicos e detectar arranjos produtivos. Além disso, o grupo também deverá acompanhar o cumprimento dos compromissos assumidos.

Opções estratégicas
O objetivo da política industrial é reafirmado na introdução do documento: a intenção do governo é tornar a indústria brasileira mais competitiva para disputar o mercado externo e substituir importações. Como não sobram recursos públicos, será dada prioridade a setores de tecnologia de ponta, aqueles em que a balança comercial brasileira mostra maior fragilidade.
O documento apresenta os quatro setores que merecerão "ação governamental mais intensa" por representarem novas oportunidades de negócios na fronteira do conhecimento tecnológico. No jargão dos técnicos, são setores "portadores de futuro".
A indústria de microcomponentes é uma das que mais crescem. A intenção do governo não é atrair empresas estrangeiras para produzir aqui a um custo menor e exportar seus produtos, como se cogitou no governo Fernando Henrique Cardoso, mas engajar o país na pesquisa tecnológica.
O documento da política industrial menciona que já houve no país 23 companhias produzindo semicondutores no final dos anos 80, a maioria ligada a grupos estrangeiros; atualmente, elas estão limitadas a três empresas. "A retomada da produção de semicondutores é um desafio", diz.
No caso dos programas de computador, a política industrial procurará garantir competitividade aos softwares brasileiros no mercado internacional. O país tem o sétimo maior mercado de programas do mundo, que movimentou US$ 7,7 bilhões em 2001. Mas as importações superaram em muito as exportações: US$ 1 bilhão contra US$ 100 milhões.
A balança comercial também está no vermelho em outro setor considerado estratégico, o de fármacos e medicamentos. Diz o documento que as importações de medicamentos prontos mais do que quintuplicaram na última década, e a importação de fármacos quase dobrou no mesmo período.
A intenção é concentrar esforços na produção de princípios ativos e de fármacos a partir de plantas encontradas no país. A produção doméstica seria estimulada não apenas por financiamentos especiais como por garantia de compras governamentais.
O documento critica a abertura da economia nos anos 90, que teria "desprotegido" a indústria local de máquinas e equipamentos por meio de incentivos à importação desses bens de capital.
A indústria automotiva é citada como exemplo disso. O objetivo é, mais uma vez, limitar a importação quando não houver similares nacionais.

Setores tradicionais
Embora a atenção da política industrial esteja voltada para tecnologias de ponta, os setores mais tradicionais da indústria podem ser contemplados com apoio a financiamento destinado à modernização: aumento da capacidade de produção, inovação tecnológica ou melhoria de design, por exemplo.
O documento demonstra preocupação com as indústrias de bens intermediários, como aço e celulose, que estiverem produzindo próximas do limite da capacidade instalada.

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