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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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ENTRAVES

Problemas são a fragilidade fiscal e o baixo volume de exportações; taxa muito baixa traz risco de alta da inflação

Para economistas, juro real tem piso de 8%

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil ainda deve conviver por um bom tempo com taxas de juros reais superiores às praticadas por grande parte dos demais países emergentes, com impacto negativo sobre os níveis de crescimento da economia. A trajetória de queda iniciada pelo BC (Banco Central) em julho e aprofundada na semana passada tem um limite, definido por fatores como o desequilíbrio fiscal e o baixo volume de exportações em relação ao tamanho da dívida externa.
O debate sobre a persistência dos juros elevados ganhou força a partir da semana retrasada, quando o economista Pérsio Arida, um dos formuladores do Plano Real, propôs a seus colegas uma reflexão sobre a natureza desse fenômeno e as características que ele adquire no Brasil. Em sua opinião, os juros reais têm um piso -que está entre 8% e 10%- abaixo do qual a taxa não pode cair, sob risco de alta da inflação.
Depois do corte de 2,5 pontos percentuais feito pelo BC na quarta-feira, os juros reais caíram para 15%. O "desejável" seria uma taxa de pelo menos 5% ao ano. Os 15% são resultado da taxa Selic (22%) menos a expectativa de inflação para os próximos 12 meses.

Ato de vontade
Economistas ouvidos pela Folha concordam com a tese do piso e apontam para os mesmos índices que Arida. Na origem do problema, apontam a fragilidade fiscal ou o baixo volume de comércio exterior em relação à dívida externa. E são unânimes em afirmar que o corte dos juros não depende de um ato de vontade do BC ou do governo, mas da obtenção de determinadas precondições, sem as quais nenhuma redução será sustentável.
Ao lançar seu desafio, quando recebeu da Ordem dos Economistas o prêmio "Economista do Ano", Arida também esboçou a tese de que o alto nível dos juros teria um caráter estrutural, semelhante ao que teve a hiperinflação, e exigiria soluções "criativas". A reflexão chamou a atenção do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, que convidou Arida para uma conversa em Brasília nesta semana.
O economista Paulo Rabello de Castro, colunista da Folha, não vê no problema uma questão estrutural. "Nós temos muito pouca história de taxa real elevada para transformá-la em uma maneira de ser ou em algo intransponível", afirma.
Para ele, a taxa pode cair rapidamente se o país passar a ter uma "obsessão exportadora", que melhore a relação entre dívida e exportações, que hoje é próxima de três para um. Ou seja, a dívida supera em três vezes o que o país obtém nas vendas ao exterior, o que indica uma baixa capacidade de captar dólares para pagar seus compromissos externos. Se essa relação fosse melhorada, diminuiria o risco de investir em reais e, em consequência, os juros exigidos pelo mercado.
A frágil situação fiscal é outro fator apontado por Rabello de Castro para a alta taxa de juros. Com necessidade de se financiar no curto prazo, o governo acaba refém da alta remuneração exigida pelos investidores. A solução, diz ele, passa pela obtenção de grandes superávits primários, que são a economia que o governo faz para pagar os juros da dívida.
A equação do problema fiscal é apontada como precondição para a queda sustentada dos juros por outros quatro economistas: Sérgio Werlang, economista-chefe do Itaú, Gustavo Loyola, ex-presidente do BC, Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco, e Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Unibanco.
Segundo Werlang, os juros cairão na medida em que diminua a relação entre dívida pública e PIB, hoje próxima de 50%. A previsão dele para dezembro de 2004 é de juros reais de 8%, equivalentes ao que seria o "piso" da taxa hoje.

Plano Collor
Além da questão fiscal, Werlang lembra o trauma do Plano Collor, em 90, que dizimou a confiança na dívida interna. O economista observa que, a partir daí, os juros reais passaram a patamares inexistentes nas décadas de 70, quando foram negativos, e de 80, quando tiveram média de 1,5%. Em 92, por exemplo, a taxa atingiu 35%, e o índice mais baixo do período foi de 5,9%, em 2002.
Loyola, sócio da consultoria Tendências, é categórico: "Enquanto não resolvermos a questão fiscal, o Brasil vai conviver com altas taxas de juros reais". Ele também defende o aumento do comércio internacional, que aumentaria a capacidade do país de reagir a choques externos.
Barros diz não considerar um "desafio intransponível" o país chegar a taxas de juros reais de 5% a 6% em 2006. Para isso, é preciso melhorar a relação dívida/PIB, afirma. Diante de uma situação fiscal mais consistente, o investidor veria menos risco de não receber o retorno por sua aplicação e, em consequência, exigiria uma menor remuneração.
O economista prevê uma trajetória descendente dos juros reais nos próximos meses, mas estima que eles ainda estarão em 8,5% em dezembro do próximo ano. Loyola é mais pessimista e estima taxa próxima de 10%.
Schwartsman observa que a rigidez do gasto público aumenta a fragilidade fiscal. Segundo ele, o primeiro passo para atacar o problema foi dado com a aprovação da reforma da Previdência.

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