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Dívida privada supera a do setor público
Crescimento da classe média, estabilidade econômica e segurança institucional explicam mudança, segundo especialistas
Dívida de famílias, indivíduos e empresas chega a 52,9% do
PIB; para economista, juro
alto e prazo curto ainda são
entraves ao crédito privado
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
A dívida de famílias, indivíduos e empresas privadas ultrapassou no ano passado, pela
primeira vez desde o início do
Plano Real, o total do endividamento do setor público, que até
então absorvia a maioria dos
recursos disponíveis para financiar a economia brasileira.
Trata-se, segundo especialistas, de mudança estrutural na
forma como o país se financia,
que sinaliza o amadurecimento
do mercado de capitais e maior
viabilidade do setor privado.
A virada ocorreu em abril de
2008, ainda no auge da expansão da economia, segundo o Cemec (Centro de Estudos do
Mercado de Capitais), entidade
ligada à Fundação Ibmec, criada pelas instituições do mercado para avaliar desempenho e
dar suporte técnico para o comitê que define prioridades de
autorregulação.
Segundo o economista Carlos Rocca, autor do estudo, a
mudança é fruto da estabilidade da moeda, da emergência de
uma nova classe média e da pujança do setor privado. Altera
progressivamente o funcionamento da economia do Brasil,
país com um dos menores patamares de crédito do mundo,
quase sem financiamento imobiliário e de infraestrutura.
Para o economista Claudio
Haddad, presidente do Insper e
ex-diretor do BC, a mudança
decorre também de ganhos institucionais que trouxeram mais
transparência e reduziram o
risco do investidor, como o Novo Mercado, a Lei de Falências,
a alienação fiduciária e o crédito consignado. "Você não tem
desenvolvimento de mercado
privado sem que o investidor
possa ter segurança e horizonte
para suas aplicações."
No estudo, o setor privado
somava em junho R$ 1,549 trilhão (52,9% do PIB) em empréstimos bancários, promissórias, debêntures, fundos de
recebíveis, entre outros instrumentos, ante R$ 1,32 trilhão do
endividamento público, incluindo empréstimos bancários das estatais. É o primeiro
trabalho que considera dados
de diferentes fontes e procura
retirar duplas contagens.
Para Rocca, a mudança significa que o governo e as estatais
começam a sair do centro das
decisões financeiras, espaço
que passa a ser ocupado pela
iniciativa privada, pela sociedade civil e por entidades de classe e de defesa do consumidor,
que podem não estar totalmente articuladas para assumir esse papel. "Falta investir em
educação financeira em todos
os níveis: pessoa física, Executivo, Legislativo e Judiciário."
Do ponto de vista da aplicação desse dinheiro, a mudança
indica que as perspectivas de
crescimento de empresas e as
ambições da classe média, como comprar um carro, uma casa, viajar ou investir na educação dos filhos, tornam-se mais
viáveis e com menor risco de
dar errado -como em qualquer decisão de investimento,
pautada pelo equilíbrio entre
taxas de retorno e risco.
Para o economista Edmar
Bacha, um dos formuladores
do Plano Real, o crédito privado progrediu muito nos últimos cinco anos, mas o principal problema diz respeito aos
prazos desses financiamentos,
que seguem curtos e só devem
aumentar com juros menores.
"Mais importante do que
olhar quantidade é ver os prazos. Em que prazos estão sendo
feitos esses financiamentos?
Com taxa de juros muito elevadas, não dá para ter nem prazo
nem muito crédito. Quem consegue pagar taxas de juros [altas]? Só o governo", disse.
Para Ricardo Carneiro, professor da Unicamp, não há uma
disputa de recursos entre o setor público e o privado, mas um
custo alto dos empréstimos no
país. "O título privado sempre
paga juro maior do que o público por uma razão muito simples: o risco [do título público]
é menor, o governo coleta imposto e pode emitir moeda. As
taxas do setor privado são feitas como desdobramentos das
do setor público, por isso o crédito privado sempre teve taxas
muito altas."
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