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São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Potencial de crescimento: alguns fatos despercebidos

ANTONIO BARROS DE CASTRO

Procuro no que segue chamar a atenção do leitor para importantes fatos que têm passado relativamente despercebidos, em prejuízo do incipiente debate sobre a retomada do crescimento econômico no Brasil.
A queda do ritmo de crescimento econômico verificada no entorno de 1980 não é algo que se restringe ao Brasil. Num artigo recentemente publicado, Stiglitz ("Revista de la Cepal", agosto de 2003) assinala que, enquanto de 1960 a 1980 a taxa de expansão do conjunto das economias latino-americanas ultrapassava a dos Estados Unidos, de 1980 em diante o crescimento norte-americano excede o latino-americano. Ou seja, se do pós-guerra até 1980 as nossas economias "convergiam" para o nível alcançado pelos EUA, daquele ano em diante a distância voltou a se ampliar.
O desempenho da economia brasileira é, sem dúvida, profundamente frustrante após 1980. Mas é bom assinalar que a taxa de crescimento dessa economia, referida como rastejante e outros depreciativos, é, ao longo dos anos 1990, aproximadamente a mesma alcançada pela Alemanha, França e diversos outros países centrais (e claramente superior à alcançada pelo Japão).
Tão ou mais despercebido tem passado o fato de que o crescimento das exportações brasileiras entre 1990 e 2000 (de 5,78% ao ano) é muito próximo ao crescimento das exportações mundiais durante o mesmo período (6,17% ao ano) e não muito inferior ao crescimento da taxa média dos 15 países que mais contribuíram para o crescimento das exportações mundiais: 6,46% ao ano. O dado consta em trabalho apresentado nesta semana por Luciano Coutinho e outros autores, no seminário "Brasil em Desenvolvimento", no Instituto de Economia da UFRJ.
Numerosas outras economias encontraram nas chamadas reformas estruturais uma transição mais traumática do que o Brasil. Para não insistir no caso bastante conhecido dos (desastrosos) ensaios neoliberais da segunda metade dos anos 1970 e início dos anos 1980 na Argentina e no Chile, uma breve referência pode ser feita ao caso da Romênia. Ali, após as grandes reformas, a economia passou a apresentar violentas flutuações do nível de atividade. Essas flutuações, porém, se deram em torno a uma tendência contracionista -e os momentos de retomada refletiam, em regra, impulsos procedentes do mercado externo (Punzo, Lionello, trabalho encomendado pelo Banco Mundial, novembro de 1999). Aqui, por contraste, as flutuações se verificaram em torno a uma tendência (mediocremente) expansiva, e os momentos de retomada estiveram sempre associados a dilatações do mercado doméstico.
Dada a flagrante instabilidade da nossa evolução recente, não é demais lembrar que o crescimento médio de cerca de 2% ao ano pouco ou nada representa. A economia (e a indústria, muito particularmente) quase sempre esteve piorando, rapidamente, ou melhorando, firmemente. As freadas, especialmente após a grande desvalorização de 1999, tiveram, em regra, explicação externa. Endógena, contrariamente, era a impulsão que a reerguia subsequentemente.
Finalmente convém frisar o fato de que, após a acidentada mudança do regime de políticas macroeconômicas verificada no primeiro semestre de 1999, só houve um período em que a economia brasileira não foi atingida por graves distúrbios e incidentes procedentes do exterior. Refiro-me ao período que se estende do caótico primeiro trimestre de 1999 ao início de 2001. Nesse último momento a economia brasileira estava sendo atingida pelo colapso final argentino, combinado com o estouro da bolha no mercado norte-americano de ações. A crise energética, a seguir, evidentemente, piorou o quadro. Mas o importante é que no único momento que lhe foi possível crescer (sem dispor, contudo, do quadro favorável de 2003) a indústria brasileira se expandiu a um bom ritmo e durante 22 meses (maio de 1999 a abril de 2001).
À luz destes fatos -e na ausência hipotética de novos graves traumas-, parece válido pensar numa expansão moderada por, digamos, dois anos. Durante esse período a indústria estaria usando basicamente o que tem, ocupando capacidade no sentido convencional, colocando mais um turno, remanejando instalações, esticando capacidade e aumentando importações. O agronegócio, de sua parte, prosseguiria a trajetória brilhante dos últimos anos -enquanto a infra-estrutura, lamentavelmente, seria cada vez mais pressionada, em prejuízo da produtividade sistêmica.
O investimento total poderia de início manter-se relativamente baixo. Mas já estariam sendo desenhadas novas hipóteses de futuro e esboçados planos de expansão. E é aqui que vai se saindo do automatismo das reações de mercado no sentido estrito da palavra. Desse ponto em diante depende-se cada vez mais de conjecturas, do estado de espírito dos empresários, de políticas de crédito, das políticas industriais e tecnológicas e da definição de futuros. Aqui, sim, estaríamos entrando em novos territórios.
Já não somos a economia em montagem dos anos 1960 a 1980 -e teríamos que retomar o movimento de convergência perdido em 1980. E, para tanto, seria chegada a hora de explorar o potencial tantas vezes insinuado por esta economia, ao apresentar desempenho tampouco ruim, ante as imensas adversidades atravessadas nos últimos 25 anos.


Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.


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