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OPINIÃO ECONÔMICA
Potencial de crescimento: alguns fatos despercebidos
ANTONIO BARROS DE CASTRO
Procuro no que segue chamar a atenção do leitor para
importantes fatos que têm passado relativamente despercebidos,
em prejuízo do incipiente debate
sobre a retomada do crescimento
econômico no Brasil.
A queda do ritmo de crescimento econômico verificada no entorno de 1980 não é algo que se restringe ao Brasil. Num artigo recentemente publicado, Stiglitz
("Revista de la Cepal", agosto de
2003) assinala que, enquanto de
1960 a 1980 a taxa de expansão do
conjunto das economias latino-americanas ultrapassava a dos
Estados Unidos, de 1980 em diante o crescimento norte-americano
excede o latino-americano. Ou seja, se do pós-guerra até 1980 as
nossas economias "convergiam"
para o nível alcançado pelos
EUA, daquele ano em diante a
distância voltou a se ampliar.
O desempenho da economia
brasileira é, sem dúvida, profundamente frustrante após 1980.
Mas é bom assinalar que a taxa
de crescimento dessa economia,
referida como rastejante e outros
depreciativos, é, ao longo dos
anos 1990, aproximadamente a
mesma alcançada pela Alemanha, França e diversos outros países centrais (e claramente superior à alcançada pelo Japão).
Tão ou mais despercebido tem
passado o fato de que o crescimento das exportações brasileiras
entre 1990 e 2000 (de 5,78% ao
ano) é muito próximo ao crescimento das exportações mundiais
durante o mesmo período (6,17%
ao ano) e não muito inferior ao
crescimento da taxa média dos 15
países que mais contribuíram para o crescimento das exportações
mundiais: 6,46% ao ano. O dado
consta em trabalho apresentado
nesta semana por Luciano Coutinho e outros autores, no seminário "Brasil em Desenvolvimento",
no Instituto de Economia da
UFRJ.
Numerosas outras economias
encontraram nas chamadas reformas estruturais uma transição
mais traumática do que o Brasil.
Para não insistir no caso bastante
conhecido dos (desastrosos) ensaios neoliberais da segunda metade dos anos 1970 e início dos
anos 1980 na Argentina e no Chile, uma breve referência pode ser
feita ao caso da Romênia. Ali,
após as grandes reformas, a economia passou a apresentar violentas flutuações do nível de atividade. Essas flutuações, porém, se
deram em torno a uma tendência
contracionista -e os momentos
de retomada refletiam, em regra,
impulsos procedentes do mercado
externo (Punzo, Lionello, trabalho encomendado pelo Banco
Mundial, novembro de 1999).
Aqui, por contraste, as flutuações
se verificaram em torno a uma
tendência (mediocremente) expansiva, e os momentos de retomada estiveram sempre associados a dilatações do mercado doméstico.
Dada a flagrante instabilidade
da nossa evolução recente, não é
demais lembrar que o crescimento médio de cerca de 2% ao ano
pouco ou nada representa. A economia (e a indústria, muito particularmente) quase sempre esteve
piorando, rapidamente, ou melhorando, firmemente. As freadas, especialmente após a grande
desvalorização de 1999, tiveram,
em regra, explicação externa. Endógena, contrariamente, era a
impulsão que a reerguia subsequentemente.
Finalmente convém frisar o fato
de que, após a acidentada mudança do regime de políticas macroeconômicas verificada no primeiro semestre de 1999, só houve
um período em que a economia
brasileira não foi atingida por
graves distúrbios e incidentes procedentes do exterior. Refiro-me
ao período que se estende do caótico primeiro trimestre de 1999 ao
início de 2001. Nesse último momento a economia brasileira estava sendo atingida pelo colapso
final argentino, combinado com o
estouro da bolha no mercado norte-americano de ações. A crise
energética, a seguir, evidentemente, piorou o quadro. Mas o
importante é que no único momento que lhe foi possível crescer
(sem dispor, contudo, do quadro
favorável de 2003) a indústria
brasileira se expandiu a um bom
ritmo e durante 22 meses (maio
de 1999 a abril de 2001).
À luz destes fatos -e na ausência hipotética de novos graves
traumas-, parece válido pensar
numa expansão moderada por,
digamos, dois anos. Durante esse
período a indústria estaria usando basicamente o que tem, ocupando capacidade no sentido
convencional, colocando mais
um turno, remanejando instalações, esticando capacidade e aumentando importações. O agronegócio, de sua parte, prosseguiria a trajetória brilhante dos últimos anos -enquanto a infra-estrutura, lamentavelmente, seria
cada vez mais pressionada, em
prejuízo da produtividade sistêmica.
O investimento total poderia de
início manter-se relativamente
baixo. Mas já estariam sendo desenhadas novas hipóteses de futuro e esboçados planos de expansão. E é aqui que vai se saindo do
automatismo das reações de mercado no sentido estrito da palavra. Desse ponto em diante depende-se cada vez mais de conjecturas, do estado de espírito dos
empresários, de políticas de crédito, das políticas industriais e tecnológicas e da definição de futuros. Aqui, sim, estaríamos entrando em novos territórios.
Já não somos a economia em
montagem dos anos 1960 a 1980
-e teríamos que retomar o movimento de convergência perdido
em 1980. E, para tanto, seria chegada a hora de explorar o potencial tantas vezes insinuado por esta economia, ao apresentar desempenho tampouco ruim, ante
as imensas adversidades atravessadas nos últimos 25 anos.
Antonio Barros de Castro, 65, professor titular da UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro) e ex-presidente do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), escreve às
quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
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