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LUÍS NASSIF
O novo FMI
Essas movimentações
do FMI, com uma posição
mais consistente em relação às
economias nacionais, são o resultado de um processo que se
iniciou com o fim da era Bill
Clinton nos Estados Unidos.
Até então, o padrão consistia
nos capitais voláteis invadindo
mercados que se abriam, especialmente aqueles com vulnerabilidade comercial, beneficiando-se de taxas de risco
mais elevadas.
Parte do risco era minimizado por meio da prorrogação da
situação de risco, a exemplo da
Argentina com a lei de conversibilidade e do Brasil com a demora em ajustar o câmbio. Demonstrei essa lógica no ano
passado. Suponha-se uma taxa
de juros de 20% ao ano no Brasil e 3% nos EUA. Com 12 meses
aplicando no Brasil, o credor
suporta um calote de 15% para
empatar com a aplicação nos
EUA; com 24 meses, 28% de calote; com 36 meses, 40% de calote.
A segunda forma de minimizar era o FMI organizar a retirada e assumir o risco. Quando
o país estourava, o FMI aportava os dólares de que os credores
necessitavam para sair ilesos
da aventura.
Foi um movimento recorrente, com vários níveis de cumplicidade: entre a tecnocracia do
Fundo, ministros da Fazenda
de diversos países, os bancos
norte-americanos, consultores
e analistas de mercado.
Na virada do governo Clinton para Bush, as primeiras
manifestações do novo secretário do Tesouro foram as de
questionamento dessa cumplicidade. Nesse momento começou a mudança de rumo do
Fundo.
Mudou-se totalmente o discurso, ficando muito próximo
do que os críticos apontavam
-e se submetiam ao escárnio
dos cabeças de planilha, com
suas posições sendo tachadas
de anacrônicas.
Agora, o Fundo fala o óbvio,
a importância da recuperação
do dinamismo das economias
nacionais, a flexibilização das
regras de ajuste fiscal, a crítica
aos juros indecentes praticados
por esses países e o estímulo
ainda que sutil à reestruturação da dívida externa.
A Argentina enfrentou o
Fundo na negociação das metas fiscais. Na apresentação da
proposta de reestruturação de
sua dívida, é quase certo que
contou com o apoio discreto do
FMI. A conta dessa esbórnia está saindo do Fundo e indo para
quem ganhou antes, os credores dessas economias agonizantes.
Essa mudança de discurso do
Fundo é a comprovação da subordinação do discurso econômico a interesses de grupos. A
grande conspiração do silêncio
que marcou os anos 90, em torno de dogmas, como a abertura
dos mercados financeiros antes
de resolvidas as vulnerabilidades externas nacionais, obedecia a uma lógica inflexível, de
permitir ganhos expressivos
aos detentores de capitais de
curto prazo.
Agora o jogo acabou no plano internacional, com a mudança de discurso do Fundo e
com a proposta de reestruturação da dívida argentina.
Não se pense que é um movimento que se esgota em si. Haverá muito esperneio, negociação, mas a lógica está dada e
afetará outros países e outras
negociações e exporá de maneira implacável o que se escondia
por trás da ortodoxia absurda
que caracterizava o pensamento de autoridades econômicas
nacionais: uma profunda miopia e uma profunda falta de
respeito aos interesses nacionais. Para dizer o mínimo.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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