UOL


São Paulo, quarta-feira, 24 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

O novo FMI

Essas movimentações do FMI, com uma posição mais consistente em relação às economias nacionais, são o resultado de um processo que se iniciou com o fim da era Bill Clinton nos Estados Unidos.
Até então, o padrão consistia nos capitais voláteis invadindo mercados que se abriam, especialmente aqueles com vulnerabilidade comercial, beneficiando-se de taxas de risco mais elevadas.
Parte do risco era minimizado por meio da prorrogação da situação de risco, a exemplo da Argentina com a lei de conversibilidade e do Brasil com a demora em ajustar o câmbio. Demonstrei essa lógica no ano passado. Suponha-se uma taxa de juros de 20% ao ano no Brasil e 3% nos EUA. Com 12 meses aplicando no Brasil, o credor suporta um calote de 15% para empatar com a aplicação nos EUA; com 24 meses, 28% de calote; com 36 meses, 40% de calote.
A segunda forma de minimizar era o FMI organizar a retirada e assumir o risco. Quando o país estourava, o FMI aportava os dólares de que os credores necessitavam para sair ilesos da aventura.
Foi um movimento recorrente, com vários níveis de cumplicidade: entre a tecnocracia do Fundo, ministros da Fazenda de diversos países, os bancos norte-americanos, consultores e analistas de mercado.
Na virada do governo Clinton para Bush, as primeiras manifestações do novo secretário do Tesouro foram as de questionamento dessa cumplicidade. Nesse momento começou a mudança de rumo do Fundo.
Mudou-se totalmente o discurso, ficando muito próximo do que os críticos apontavam -e se submetiam ao escárnio dos cabeças de planilha, com suas posições sendo tachadas de anacrônicas.
Agora, o Fundo fala o óbvio, a importância da recuperação do dinamismo das economias nacionais, a flexibilização das regras de ajuste fiscal, a crítica aos juros indecentes praticados por esses países e o estímulo ainda que sutil à reestruturação da dívida externa.
A Argentina enfrentou o Fundo na negociação das metas fiscais. Na apresentação da proposta de reestruturação de sua dívida, é quase certo que contou com o apoio discreto do FMI. A conta dessa esbórnia está saindo do Fundo e indo para quem ganhou antes, os credores dessas economias agonizantes.
Essa mudança de discurso do Fundo é a comprovação da subordinação do discurso econômico a interesses de grupos. A grande conspiração do silêncio que marcou os anos 90, em torno de dogmas, como a abertura dos mercados financeiros antes de resolvidas as vulnerabilidades externas nacionais, obedecia a uma lógica inflexível, de permitir ganhos expressivos aos detentores de capitais de curto prazo.
Agora o jogo acabou no plano internacional, com a mudança de discurso do Fundo e com a proposta de reestruturação da dívida argentina.
Não se pense que é um movimento que se esgota em si. Haverá muito esperneio, negociação, mas a lógica está dada e afetará outros países e outras negociações e exporá de maneira implacável o que se escondia por trás da ortodoxia absurda que caracterizava o pensamento de autoridades econômicas nacionais: uma profunda miopia e uma profunda falta de respeito aos interesses nacionais. Para dizer o mínimo.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


Texto Anterior: Opinião econômica: Potencial de crescimento: alguns fatos despercebidos
Próximo Texto: Regulação: Agências perdem poder, mas mantêm estabilidade
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.