São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2006

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

A lição de Willie Sutton ao PT


O bandido disse que roubava bancos porque o dinheiro estava lá; o PT parece ter compreendido a mensagem

WILLIAM SUTTON foi um bandido americano legendário na primeira metade do século passado. Conta-se que, questionado por um repórter por que roubava bancos, teria respondido: "Because that's where the money is" (porque é lá que o dinheiro está). O Partido dos Trabalhadores parece ter compreendido bem a mensagem de Willie Sutton. Segundo uma reportagem da Folha de sexta, em 2003, o PT "partidarizou" o Banco do Brasil montando toda a equipe de Cássio Casseb, o primeiro presidente do banco no governo Lula.
Um dos membros do grupo indicado pelo PT era Expedito Afonso Veloso, hoje acusado no "Dossiêgate". Veloso era diretor de Gestão de Risco do banco. Aproveitando-se de avanços na teoria de finanças e da conseqüente criação de instrumentos financeiros cada vez mais complexos, a gestão de risco bancário se transformou completamente a partir dos anos 90. Parte do meu trabalho acadêmico nos últimos anos foi exatamente sobre a questão do risco e, por isso, tenho encontrado com freqüência responsáveis pela gestão de risco de instituições financeiras em todo o mundo.
O perfil desses gestores é em geral o mesmo; uma formação quantitativa forte na graduação seguida pelo mestrado ou mesmo doutorado em economia ou finanças. Os diretores de risco das boas instituições financeiras sentem-se à vontade discutindo a modelagem de derivativos de crédito, o efeito das regulamentações de Basiléia ou os problemas gerados pela utilização de "value at risk", o critério mais comum na medição do risco financeiro.
É provável que haja funcionários bem treinados no escalão inferior da gestão de risco do BB. Mas isso não substitui a presença de um profissional competente com acesso direto ao presidente do banco, como é norma em instituições financeiras no Brasil ou no exterior. Indicar um quadro do PT sem preparação acadêmica ou experiência adequadas para dirigir a área de risco de uma instituição complexa como o Banco do Brasil demonstra um desapreço enorme do governo Lula pela coisa pública.
Mas o Banco do Brasil não é, evidentemente, um caso único. Uma rápida pesquisa na internet sobre o mensalão ou os sanguessugas traz à tona também os Correios, Instituto de Resseguros do Brasil, Eletronorte, Cobra, Furnas, Banco do Nordeste etc. Aparentemente em quase toda empresa estatal encontram-se casos de ex-funcionários do alto escalão envolvidos nos escândalos do governo Lula.
Mesmo que futuros governantes demonstrem mais comedimento do que o PT demonstrou no uso da máquina do Estado, é importante diminuir as oportunidades à disposição do Poder Executivo. Para isso, deve-se cortar drasticamente o número de funcionários nomeados por critérios políticos nas estatais ou nas carreiras de Estado e assegurar que os cargos de direção sejam ocupados por profissionais com a preparação apropriada.
Nesse sentido, é preciso reconhecer que, apesar das recaídas recentes, o Brasil melhorou. Foi-se o tempo em que, como relata Mario Sergio Conti no livro "Notícias do Planalto", Paulo César Farias, o PC, gabava-se de ter "emplacado" o superintendente da Polícia Federal e o superintendente regional da Receita Federal em São Paulo do governo Collor. As investigações atuais demonstram um certo grau de independência dessas instituições.
E não há dúvida de que as privatizações ajudaram muito. Aliás, o efeito das privatizações nas oportunidades de corrupção não passa despercebido mesmo pelos mais leais defensores do governo. No manifesto de movimentos sociais em defesa do presidente Lula, divulgado na quinta com o endosso de 70 entidades, incluindo a CUT e a UNE, uma das acusações ao PSDB e aliados é a de terem privatizado a Vale do Rio Doce. Os signatários têm razão -a privatização da Vale, além de aumentar a eficiência do setor de mineração no país, cortou um grande número de postos que o governo poderia ter ocupado com membros do PT ou "movimentos sociais" associados para garantir o financiamento das campanhas eleitorais e os recursos para comprar o apoio da bancada fisiológica no Congresso. Mais uma razão para retomar-se o processo de privatização das estatais.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com


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