|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
A lição de Willie Sutton ao PT
O bandido disse que roubava bancos porque o dinheiro
estava lá; o PT parece ter
compreendido a mensagem
|
WILLIAM SUTTON foi um
bandido americano legendário na primeira metade
do século passado. Conta-se que,
questionado por um repórter por
que roubava bancos, teria respondido: "Because that's where the money is" (porque é lá que o dinheiro
está). O Partido dos Trabalhadores
parece ter compreendido bem a
mensagem de Willie Sutton. Segundo uma reportagem da Folha de
sexta, em 2003, o PT "partidarizou" o Banco do Brasil montando
toda a equipe de Cássio Casseb, o
primeiro presidente do banco no
governo Lula.
Um dos membros do grupo indicado pelo PT era Expedito Afonso
Veloso, hoje acusado no "Dossiêgate". Veloso era diretor de Gestão de
Risco do banco. Aproveitando-se
de avanços na teoria de finanças e
da conseqüente criação de instrumentos financeiros cada vez mais
complexos, a gestão de risco bancário se transformou completamente a partir dos anos 90. Parte
do meu trabalho acadêmico nos últimos anos foi exatamente sobre a
questão do risco e, por isso, tenho
encontrado com freqüência responsáveis pela gestão de risco de
instituições financeiras em todo o
mundo.
O perfil desses gestores é em geral o mesmo; uma formação quantitativa forte na graduação seguida
pelo mestrado ou mesmo doutorado em economia ou finanças. Os
diretores de risco das boas instituições financeiras sentem-se à vontade discutindo a modelagem de
derivativos de crédito, o efeito das
regulamentações de Basiléia ou os
problemas gerados pela utilização
de "value at risk", o critério mais
comum na medição do risco financeiro.
É provável que haja funcionários
bem treinados no escalão inferior
da gestão de risco do BB. Mas isso
não substitui a presença de um
profissional competente com acesso direto ao presidente do banco,
como é norma em instituições financeiras no Brasil ou no exterior.
Indicar um quadro do PT sem preparação acadêmica ou experiência
adequadas para dirigir a área de
risco de uma instituição complexa
como o Banco do Brasil demonstra
um desapreço enorme do governo
Lula pela coisa pública.
Mas o Banco do Brasil não é, evidentemente, um caso único. Uma
rápida pesquisa na internet sobre o
mensalão ou os sanguessugas traz
à tona também os Correios, Instituto de Resseguros do Brasil, Eletronorte, Cobra, Furnas, Banco do
Nordeste etc. Aparentemente em
quase toda empresa estatal encontram-se casos de ex-funcionários
do alto escalão envolvidos nos escândalos do governo Lula.
Mesmo que futuros governantes
demonstrem mais comedimento
do que o PT demonstrou no uso da
máquina do Estado, é importante
diminuir as oportunidades à disposição do Poder Executivo. Para isso, deve-se cortar drasticamente o
número de funcionários nomeados
por critérios políticos nas estatais
ou nas carreiras de Estado e assegurar que os cargos de direção sejam ocupados por profissionais
com a preparação apropriada.
Nesse sentido, é preciso reconhecer que, apesar das recaídas recentes, o Brasil melhorou. Foi-se o
tempo em que, como relata Mario
Sergio Conti no livro "Notícias do
Planalto", Paulo César Farias, o
PC, gabava-se de ter "emplacado" o
superintendente da Polícia Federal e o superintendente regional da
Receita Federal em São Paulo do
governo Collor. As investigações
atuais demonstram um certo grau
de independência dessas instituições.
E não há dúvida de que as privatizações ajudaram muito. Aliás, o
efeito das privatizações nas oportunidades de corrupção não passa
despercebido mesmo pelos mais
leais defensores do governo. No
manifesto de movimentos sociais
em defesa do presidente Lula, divulgado na quinta com o endosso
de 70 entidades, incluindo a CUT e
a UNE, uma das acusações ao
PSDB e aliados é a de terem privatizado a Vale do Rio Doce. Os signatários têm razão -a privatização
da Vale, além de aumentar a eficiência do setor de mineração no
país, cortou um grande número de
postos que o governo poderia ter
ocupado com membros do PT ou
"movimentos sociais" associados
para garantir o financiamento das
campanhas eleitorais e os recursos
para comprar o apoio da bancada
fisiológica no Congresso. Mais uma
razão para retomar-se o processo
de privatização das estatais.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
Texto Anterior: Doleiro tem pena reduzida e pode ser solto Próximo Texto: "Réu colaborador", Toninho da Barcelona não delata clientela Índice
|