São Paulo, sábado, 24 de outubro de 2009

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RESENHA

Correspondente faz livro sobre a crise atual

VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA

Pouco antes do início da crise, em 2007, Marcelo, que migrara de Minas Gerais para Nova Jersey, tinha duas casas financiadas, as quais valiam US$ 1,1 milhão. Em 2008, após as quebras de bancos e outros desastres, Marcelo devolvera os imóveis. As prestações eram altas demais para o que as casas então valiam -40% menos. Foi morar com o cunhado e dirigia uma limusine para viver. O desastre pessoal de Marcelo, de outros migrantes e de americanos pontuam "Desastre Global", de Fernando Canzian.
A obra é a reunião dos artigos que Canzian escreveu para a Folha Online durante sua mais recente estadia nos Estados Unidos. O autor é repórter especial da Folha e foi enviado a Nova York a fim de cobrir o tumulto nas finanças dos EUA, assuntos nos quais tem sólida experiência. Canzian foi repórter de finanças e já fora correspondente da Folha nos EUA, em Nova York e Washington.
Canzian tinha a tarefa diária, urgente e difícil de traduzir os tecnicismos de uma crise financeira especialmente obscura. Mas, como ótimo repórter, procurava dar caráter palpável para os efeitos cotidianos do colapso. O autor se sai bem nessa tarefa de equilibrista.
Num artigo, Canzian troca em miúdos o funcionamento de um dos derivativos que detonaram a crise e trata dos efeitos macroeconômicos da ruína desses papéis. Mas sempre interpola suas explicações com quadros vívidos de origens e consequências do problema.
Canzian não recolhe suas histórias por acaso ou condescendência. Seus casos mostram a operação real da economia. A fantástica fábrica de investimentos exóticos, afinal, era movida por pessoas e tinha efeito reais, demasiado reais.
Canzian não conta apenas a história miúda e de pessoas ditas comuns. Está lá em seu livro o caso de Lawrence Summers, principal assessor econômico de Barack Obama. Quando secretário do Tesouro de Bill Clinton, Summers defendia a liberdade irrestrita para o mercado financeiro, o que acabou em "desastre global". Ou o autor vai ainda um pouco mais longe, ao relatar as origens da política e da mentalidade do absolutismo de mercado: os anos de Ronald Reagan.
O último artigo é de agosto de 2009. Canzian teve assim a oportunidade de contar como os bancos voltaram a lucrar com base em ajudas "regulatórias" e financeiras estatais. E de explicar como o governo americano se endividou a fim de evitar uma crise maior que a Grande Depressão de 1929.
Assim, beneficiou um dos principais responsáveis pelo desastre -a grande finança americana. Em tom de ironia a respeito dessa ironia da história, Canzian termina seu relato completo e didático do ano que viveu em meio à crise.


DESASTRE GLOBAL
Autor:
Fernando Canzian
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 12,90 (96 págs.)



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