São Paulo, sábado, 24 de outubro de 2009

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Apesar de semelhanças, crise de 29 foi mais intensa que a atual

Na década de 30, desemprego nos EUA bateu nos 25%, ante quase 10% hoje

JANAINA LAGE
DE NOVA YORK

"A tragédia real é que pessoas que nunca especularam, mas apenas investiram em bancos e em títulos, estão sofrendo junto com as outras. As ruas estão cheias de pobres, desempregados, lojas disponíveis para alugar em todo o lugar, sinais de bancos fechados. Vai levar muito tempo para esquecer isso."
O texto poderia resumir a situação dos EUA pós-crise financeira, mas se trata na verdade de um trecho do diário de Benjamin Rott, um advogado de Ohio que registrou dia após dia durante toda a década de 1930 os sinais da crise econômica que tomou o país com o crash da Bolsa de Nova York.
Oitenta anos depois, a Grande Depressão ainda é um marco na história econômica do país.
Mas, apesar das comparações, especialistas e pessoas que viveram aquele período afirmam que não há comparação entre a amplitude das crises. No auge da Grande Depressão, um em cada quatro americanos estava desempregado. Hoje, a taxa de desemprego no país está pouco abaixo dos 10%.
Para especialistas, duas lições da crise de 1929 evitaram a repetição do cenário neste ano: a rapidez com que o governo decidiu intervir nos mercados e as redes de programas sociais. Na década de 1930 não havia seguro desemprego ou seguridade social. E o governo demorou mais para agir.
"A crise atual é a maior que o mundo já viu desde o fim da Segunda Guerra, mas não é da mesma magnitude da crise de 1929, que afetou gravemente o emprego e o consumo", afirma Gary Burtless, especialista do Brookings Institute.
No período, as famílias se divertiam com pouco e evitavam gastos. O cinema chegou a custar US$ 0,25, um prato de sopa custava US$ 0,01 e, ainda assim, muitos não podiam pagar.
"Minha mãe preparava comida extra sempre que podia e me pedia para distribuir aos vizinhos. Eles tinham crianças pequenas e uma vez acabei jantando com eles. Minha mãe logo me repreendeu: disse que eles precisavam de toda a comida que pudessem ter. Essa solidariedade não existe mais", diz James Moore, 82, professor aposentado em Nova York.
A rede local foi substituída por programas federais. Dados do Departamento de Agricultura americano mostram que o programa de distribuição de recursos para compra de comida, o "food stamps", nunca teve tantos beneficiários. Em setembro de 2008 o programa atendia 31,5 milhões de pessoas. Em julho deste ano (último dado), 35,8 milhões.
O programa lançado pelo governo para combater a crise, o American Recovery Act, estima que foram criados ou salvos mais de 30 mil empregos.
As Forças Armadas também voltaram a ser a porta de entrada para o mercado de trabalho para boa parte dos jovens americanos. Neste ano, atingiram a meta de recrutamento pela primeira vez desde 1973.
As semelhanças não terminam aí. Daniel Roth, 80, filho do advogado que relatou o dia a dia da crise, lançou as anotações do pai no livro "Grande Depressão, um Diário", publicado em setembro de 2008.
"Lembro que meu pai me levou para ver pessoas morando em tendas. Era gente desempregada que morava na periferia da cidade. Hoje na Califórnia surgiram novas cidades de tendas, com gente que está desempregada há tanto tempo que já não pode receber seguro-desemprego. É assustador."


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