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LUÍS NASSIF
Racionalidade
na planilha
Não é de hoje, é de décadas,
certo vezo da cobertura
política e econômica de radicalizar as diferenças. Tome o caso
Palocci-Dilma. Após a entrevista ao "Estado de S. Paulo", Dilma foi acusada de tentar mudar o modelo econômico, de
propor a volta da gastança e
coisas do gênero. O que está em
discussão:
1) Palocci quer aumentar o
superávit primário para 6%.
Dilma quer manter a meta de
4,25%, acordada no início do
ano e muito maior do que a
exigida pelo FMI;
2) Palocci quer plena liberdade para fixar os juros. Dilma
quer que o ajuste fiscal leve em
conta também a responsabilidade dos juros. É um princípio
básico de restrição ao qual tem
que se submeter qualquer política econômica responsável.
3) Palocci e o ministro do Planejamento querem definir metas de superávit de dez anos à
frente. Dilma diz que metas de
dez anos não se fixam na planilha, mas levando em conta
agentes sociais. E, se a meta
meramente fixa números, sem
detalhar a estrutura de despesas, é tosca.
Como se pode dizer que está
colocando em xeque o modelo
econômico?
Um dos clichês utilizados para justificar esses juros é que a
taxa Selic é alta porque a dívida pública é alta. Chegou-se ao
sumo do requinte analítico: o
argumento é válido, seja qual
for o nível da taxa de juros praticada. Dois pontos é uma diferença abissal na conta de juros.
Se se pode ficar em 17% e se fixa
em 19%, jogam-se pelo ralo bilhões de reais. No entanto o
manual do "jurista" reza que,
qualquer que seja o nível da taxa de juros e qualquer que seja
o nível que o investidor esteja
disposto a pagar, ela é justificada a priori pelo tamanho da dívida pública. Cartesianismo
puro!
Outro clichê é essa história de
que a disputa entre Palocci e
Dilma é entre quem gasta bem
(Palocci) e quem gasta mal (todos os demais ministérios). Indague de Palocci e do ministro
do Planejamento, Paulo Bernardo, com quais indicadores
eles trabalham para aferir a
eficácia dos gastos públicos. Indague de que maneira eles,
mais o Tesouro, definem a programação orçamentária do
ano, a ponto de alterar a meta
de superávit faltando dois meses para terminar o ano.
Se outros ministérios têm dificuldade burocrática para gastar dinheiro, é papel da área
econômica fornecer assessoria
aos ministros, como fez Yoshiaki Nakano, no governo Covas,
no maior processo de ajuste fiscal que o país conheceu. O que
se fazia era racionalizar processos, economizar sem se prevalecer de entraves burocráticos que apenas emporcalham
mais ainda a qualidade do gasto público.
O que Dilma fez na entrevista
-e antes, nos embates internos
do governo- foi demonstrar o
anacronismo desse modelo de
gestão financeira. Internamente, ganhou a batalha pelo coração e a mente de Luiz Inácio
Lula da Silva. Pela primeira
vez, caiu a ficha de Lula de que
a política monetária não é um
bezerro de ouro, com vida própria, mas um conjunto de normas que precisam estar acopladas a uma lógica de governo.
Isso não significa questionar
modelo econômico nenhum
nem propor populismo fiscal.
Significa impor um pouco de
racionalidade na planilha.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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