São Paulo, quinta-feira, 24 de novembro de 2005

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RECEITA ORTODOXA

Mesmo com aperto de gastos, reduções da Selic e recompra de títulos pelo governo, endividamento aumenta

Juros altos fazem a dívida pública crescer

SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A queda gradual dos juros nos últimos dois meses não aliviou o peso da atual política monetária sobre a dívida pública. Em outubro, quando o Banco Central anunciou a segunda redução consecutiva na taxa Selic, que serve de referência para o mercado, os juros fizeram o endividamento do governo federal em títulos crescer R$ 11 bilhões.
O estoque final dessa dívida só não subiu na mesma proporção porque o Tesouro Nacional e o BC recompraram R$ 6,89 bilhões em papéis que venceram no período, diminuindo o volume dos títulos em poder dos investidores. Com isso, a chamada dívida mobiliária do governo federal passou de R$ 933,22 bilhões, em setembro, para R$ 937,34 bilhões em outubro.
A evolução dessa dívida em títulos da União traduz, em números, a argumentação da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, de que o governo estaria "enxugando gelo" ao restringir tanto os gastos dos ministérios e manter, ao mesmo tempo, a taxa de juros elevada para conter a inflação. No fim das contas, a economia, conhecida no jargão financeiro por superávit primário, é integralmente consumida pela carga de juros e, ainda assim, o endividamento sobe.
Em outubro, o impacto da taxa de juros no estoque de títulos públicos federais foi quase quatro vezes maior do que a economia gerada pela União no mês anterior e que somou R$ 2,93 bilhões. Mesmo juntando o superávit primário realizado na esfera federal ao de Estados, municípios e Estatais, ainda assim o saldo de R$ 7,6 bilhões registrado em setembro, não foi suficiente para compensar integralmente o estrago dos juros no saldo da dívida mobiliária.
Para a equipe econômica, no entanto, o benefício é o fato de a dívida ter "crescido menos". Enquanto não é possível diminuir esse estoque em valores nominais, o governo trabalha para melhorar o perfil do endividamento, trocando, por exemplo, papéis que sofrem imediatamente com oscilações nas taxas de câmbio e juros por outros cuja rentabilidade é previamente combinada com os investidores e não muda até o vencimento (prefixados).
Em outubro, o Tesouro não conseguiu manter a tendência de aumento da participação desses títulos prefixados, que caiu de 25,76%, em setembro, para 24,48% no mês passado.
Isso, segundo Ronnie Tavares, coordenador de operações da dívida pública, se justifica porque houve uma concentração de vencimentos de títulos prefixados em outubro. "É comum isso acontecer no início de cada trimestre."
O mês passado, porém, foi um dos mais tumultuados do ano na esfera econômica devido às denúncias de corrupção envolvendo o ministro Antonio Palocci (Fazenda), que posteriormente foram reforçadas pela briga pública dele com a ministra da Casa Civil.
O enfraquecimento de Palocci, com os questionamentos do mercado se ele ainda tinha apoio do presidente Lula para sustentar a política econômica, pode ter influenciado no comportamento dos investidores que, em momentos de crise mais aguda, costumam preferir manter em carteira títulos cuja rentabilidade varia todos os dias, de acordo com a taxa de juros.
Esses títulos ainda representam mais da metade da dívida mobiliária: 56,41%. Em setembro, essa participação era de 54,85%. Além disso, como a taxa de juros é elevada no Brasil, há uma demanda cativa por esses papéis por parte dos fundos de investimento que oferecem aos seus cotistas rendimento equivalente à taxa praticada nas operações entre os bancos.


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