São Paulo, segunda, 25 de janeiro de 1999

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OPINIÃO ECONÔMICA
Soluções

JOÃO SAYAD
Não existe unanimidade maior do que contra os erros do passado. Difíceis são os erros que ainda não cometemos.
O problema do Brasil é, em poucas palavras, a falta de dólares. Esquecendo por um segundo a obsessão ideológica já atendida de tributar aposentados e despedir funcionários públicos, como resolver o problema brasileiro de oferta de dólares?
O país precisa retornar ao mercado financeiro internacional, isto é, obter empréstimos para financiar importações e exportações, poder vender títulos e bonds no comércio internacional.
Para isso, várias condições são necessárias.
Primeiro, quem tem dólares, só troca os dólares por reais se tiver a liberdade de voltar para dólares algum dia. Para isso, é preciso que o país produza ou tenha a perspectiva de produzir mais dólares do que gasta. A desvalorização cambial ocorrida é parte da solução, pois torna exportações mais lucrativas e importações, mais caras.
Depois, é preciso poder honrar, isto é, pagar os compromissos em dólares quando vencem, na data certa. No momento, isso pode ser difícil, pois muito poucos estão dispostos a vender dólares para os que querem comprar dólares.
O ministro Celso Furtado considera a hipótese de moratória externa.
Discordo absolutamente.
O que ganhamos com a moratória?
Temos um ganho de capital, igual ao desconto da dívida, forçado pela moratória. É um ganho microeconômico, da empresa e não do país.
Com esse desconto, o país economiza reais e dólares. Para o país como um todo, não faz sentido economizar reais. Reais para o Brasil são pedaços de papel que não custam nada.
A moratória pode também economizar dólares no curto prazo -o desconto na dívida- , mas perde muitos dólares no prazo maior.
Além disso, a moratória restabelece um câmbio sobrevalorizado e requer controle do câmbio.
Se, ao invés da moratória, o governo desvalorizar o câmbio até que os investidores acreditem que o preço está certo, temos os seguintes efeitos:
1) as exportações serão incentivadas, as importações desincentivadas. É a mais importante mudança de rumo que precisa ocorrer.
2) pode ser que os fluxos internacionais se restabeleçam normalmente.
3) as empresas brasileiras endividadas perdem muito patrimônio pelo valor da dívida mais alta, mas podem ser atendidas com empréstimos no mercado brasileiro de reais.
Até agora, o câmbio se desvalorizou 30% ou 35%, taxa igual as maxi dos tempos passados quando tínhamos tarifas de importação e pouco movimento de capitais. Qual a desvalorização necessária hoje em dia, quando temos mobilidade de capitais, especulação e a abertura da economia?
Os bancos estrangeiros tem muitos economistas. São muitos bancos estrangeiros e muitos economistas. Estudam o Brasil de longe, por meio das estatísticas do Bloomberg, da CNN, da Economist e dos jornais brasileiros, que se baseiam nas opiniões dos economistas dos bancos estrangeiros, da Economist e da CNN.
Têm falado em moratória interna.
Para que serve uma moratória interna? Iríamos ficar sem reais para comprar dólares para pagar as dívidas no exterior ou para comprar produtos no Brasil. Como isso resolve o problema da oferta de dólares?
Antes da desvalorização, tínhamos US$ 300 bilhões de dívidas em reais e US$ 40 bilhões de reservas. Com a desvalorização cambial de 30%, hoje temos uma dívida de US$ 228 bilhões e reservas de US$ 40 bilhões. A relação dívida/reservas melhorou. O déficit público em dólares diminuiu.
São Cristóvão nos proteja das barbeiragens dos economistas dos bancos estrangeiros!
Não existem soluções fáceis para a crise cambial brasileira. Não basta que a solução seja cruel.


João Sayad, 51, economista e ex-ministro do Planejamento (governo Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna.
jsayad@ibm.net



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