São Paulo, segunda, 25 de janeiro de 1999

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MERCADO TENSO
Só a discussão da medida vai acelerar a fuga de dólares do país, prevê presidente mundial do BankBoston
Controle do câmbio é "suicídio', diz Meirelles

ANTONIO CARLOS SEIDL
da Reportagem Local


A simples discussão da adoção de controle cambial vai acelerar a saída de dólares do país, porque isso significa uma declaração de concordata, o primeiro passo para a falência.
Essa é a opinião de Henrique de Campos Meirelles, 52, presidente mundial do BankBoston.
Para esse goiano de Anápolis, primeiro brasileiro a ocupar a presidência mundial de um banco norte-americano, o controle cambial é "um suicídio". "Quem vai querer emprestar dinheiro para um sujeito que ameaça se suicidar?", adverte.
A seguir, trechos da entrevista, concedida, por telefone, de Boston.
Folha - A crise de confiança no Brasil ainda não passou?
Henrique Meirelles -
O nível de confiança melhorou muito com a liberação do câmbio.
Folha - Por quê?
Meirelles -
Porque isso traz realidade ao mercado. O câmbio livre tem um sentido muito positivo.
Folha - Mas cerca de US$ 350 milhões estão deixando o país diariamente.
Meirelles -
É verdade, mas o que é importante agora é que o Brasil transmita à comunidade financeira internacional tranquilidade, assegurando que as regras do jogo não vão mudar mais.
Folha - O mercado está preocupado com uma nova virada de mesa?
Meirelles -
O que preocupa o mercado não é o ponto de equilíbrio do dólar. O problema maior, na realidade, é eliminar qualquer conversa de mudança das regras do jogo.
Folha - O que pode inverter essa tendência de saída de divisas?
Meirelles -
A turbulência nos mercados vai continuar enquanto partirem do Brasil rumores sobre mudanças nas regras do jogo. Os fluxos cambiais voltarão a ser positivos quando o mercado se convencer de que as regras estão no Brasil para ficar e de que o Brasil é um participante legítimo do mundo.
Folha - Qual é o ponto de equilíbrio da taxa de câmbio?
Meirelles -
Essa não é uma questão de muita importância.
Folha - Por quê?
Meirelles -
O valor do dólar em relação ao iene, as moedas dos dois países mais ricos do mundo, varia para baixo e para cima, às vezes 20% numa semana. E não é por causa disso que todo mundo arranca os cabelos.
O fluxo de recursos entre os EUA e o Japão muda de mão ciclicamente porque isso faz parte da normalidade do mercado globalizado. O Brasil tem de se acostumar com isso. Acabar com essa cultura de algumas pessoas tentando controlar as demais. A liberdade está dando nervosismo.
Folha - Quando esse nervosismo dará lugar à tranquilidade?
Meirelles -
Vejo esse nervosismo como uma criança que nasce. A experiência de nascer para quem está vivendo no útero da mãe é assustadora. Barulhos, médicos, enfermeiras, tapas no rosto, corte do cordão umbilical, uma experiência assustadora. Só que faz parte da natureza e do crescimento.
Folha - O nascimento de uma nova ordem econômica?
Meirelles -
O câmbio livre é o nascimento do Brasil como um país adulto e participante ativo do mercado global. A mudança cambial é tão importante quanto a estabilização da moeda em 1994. É o passo seguinte que faltava para a estabilização da moeda.
Tivemos a estabilidade com liberdade de preços, mas mantivemos algo artificial, que foi a âncora cambial. A âncora cambial era compreensível por um curto período depois da estabilização, mas insustentável a longo prazo. Os Estados Unidos jamais pensariam em controlar a taxa do dólar em relação às demais moedas.
Folha - Mas, no Brasil, teme-se que a liberdade cambial provoque a volta da inflação?
Meirelles -
Vai haver um ajuste de preços. As mercadorias importadas vão subir de preço, mas isso será um ajuste natural de preços artificiais. A hiperinflação é o produto de uma política fiscal descontrolada e de uma política monetária frouxa.
Folha - Com que cenário o BankBoston trabalha para a economia brasileira neste ano?
Meirelles -
O cenário é de muita turbulência nas próximas semanas. A boataria sobre moratória da dívida interna e sobre a introdução de controle cambial vai continuar perturbando os mercados internacionais.
Folha - Qual é a sua opinião sobre a adoção da centralização do câmbio no Brasil para controlar a saída de dólares?
Meirelles -
É um suicídio. Quem vai emprestar dinheiro para um sujeito que ameaça se suicidar? Isso perturba os mercados. A fuga de dólares é fruto dessa boataria brasileira. São boatos que saem do Brasil e reverberam em Nova York, Londres e Tóquio. A taxa de câmbio vai cair um pouco e os dólares vão parar de sair do país a partir do momento em que o mercado acreditar que a nova política cambial veio para ficar e que o Brasil não vai cometer suicídio.
Folha - O controle cambial é um suicídio?
Meirelles -
A ameaça de controle cambial vai acelerar a saída de dólares. O controle cambial é uma declaração de concordata, que é um passo antes da falência. A mera discussão desse assunto tem um impacto negativo nos fluxos cambiais. A confiança nas regras do jogo é que vai estabilizar a taxa de câmbio. Quem vai querer colocar dinheiro num país, ficando sujeito a uma decisão de um burocrata para saber se vai poder tirá-lo ou não?
O Brasil tem todas as condições para atrair capital internacional. O Brasil pode atrair US$ 20 bilhões, em média, por ano, de investimentos diretos no setor produtivo e na modernização da infra-estrutura. E vai captar investimentos financeiros mesmo com uma taxa de juros de 10%, que é muito alta pelos padrões internacionais. O Brasil não tem de adotar medidas extravagantes. O Brasil precisa entrar na corrente da história, precisa sair da contramão. O Brasil vai atrair muitos investimentos se parar de falar em controle de câmbio e em moratória.
A grande pergunta do mercado internacional é se a sociedade brasileira vai aceitar que o Brasil seja um participante legítimo da economia global. Se a comunidade internacional se convencer de que o Brasil simplesmente vai ser um país normal, a economia brasileira vai ter uma melhora dramática.
Folha - Qual é a sua expectativa com relação à taxa de juros?
Meirelles -
A taxa de juros vai cair muito com a aprovação das medidas fiscais. Pode cair para 10% ou 12%, ao ano, dentro de 18 meses. Os mais otimistas prevêem 15%. Mas, na minha opinião, não há justificativa para uma taxa de 15% a médio prazo. É uma taxa muito alta. Vai cair para 10% daqui a um ano e meio. Isso deve dar um impulso para o Brasil voltar a crescer a taxas importantes a partir do ano que vem.
Folha - A que nível de taxas?
Meirelles -
O Brasil pode voltar a crescer a taxas próximas de 7% ao ano. O Brasil volta a crescer a partir do ano que vem e atinge taxas próximas de 7% dois ou três anos depois disso.



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