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MERCADO TENSO
Só a discussão da medida vai acelerar a fuga de dólares do país, prevê presidente mundial do BankBoston
Controle do câmbio é "suicídio', diz Meirelles
ANTONIO CARLOS SEIDL
da Reportagem Local
A simples discussão da adoção de controle
cambial vai acelerar a saída de
dólares do país,
porque isso significa uma declaração de concordata, o primeiro
passo para a falência.
Essa é a opinião de Henrique de
Campos Meirelles, 52, presidente
mundial do BankBoston.
Para esse goiano de Anápolis,
primeiro brasileiro a ocupar a presidência mundial de um banco
norte-americano, o controle cambial é "um suicídio". "Quem vai
querer emprestar dinheiro para
um sujeito que ameaça se suicidar?", adverte.
A seguir, trechos da entrevista,
concedida, por telefone, de Boston.
Folha - A crise de confiança no
Brasil ainda não passou?
Henrique Meirelles -O nível de
confiança melhorou muito com a
liberação do câmbio.
Folha - Por quê?
Meirelles - Porque isso traz realidade ao mercado. O câmbio livre
tem um sentido muito positivo.
Folha - Mas cerca de US$ 350 milhões estão deixando o país diariamente.
Meirelles - É verdade, mas o que é
importante agora é que o Brasil
transmita à comunidade financeira internacional tranquilidade, assegurando que as regras do jogo
não vão mudar mais.
Folha - O mercado está preocupado com uma nova virada de mesa?
Meirelles - O que preocupa o
mercado não é o ponto de equilíbrio do dólar. O problema maior,
na realidade, é eliminar qualquer
conversa de mudança das regras
do jogo.
Folha - O que pode inverter essa
tendência de saída de divisas?
Meirelles - A turbulência nos
mercados vai continuar enquanto
partirem do Brasil rumores sobre
mudanças nas regras do jogo. Os
fluxos cambiais voltarão a ser positivos quando o mercado se convencer de que as regras estão no
Brasil para ficar e de que o Brasil é
um participante legítimo do mundo.
Folha - Qual é o ponto de equilíbrio da taxa de câmbio?
Meirelles - Essa não é uma questão de muita importância.
Folha - Por quê?
Meirelles - O valor do dólar em
relação ao iene, as moedas dos dois
países mais ricos do mundo, varia
para baixo e para cima, às vezes
20% numa semana. E não é por
causa disso que todo mundo arranca os cabelos.
O fluxo de recursos entre os EUA
e o Japão muda de mão ciclicamente porque isso faz parte da
normalidade do mercado globalizado. O Brasil tem de se acostumar
com isso. Acabar com essa cultura
de algumas pessoas tentando controlar as demais. A liberdade está
dando nervosismo.
Folha - Quando esse nervosismo
dará lugar à tranquilidade?
Meirelles - Vejo esse nervosismo
como uma criança que nasce. A experiência de nascer para quem está
vivendo no útero da mãe é assustadora. Barulhos, médicos, enfermeiras, tapas no rosto, corte do
cordão umbilical, uma experiência
assustadora. Só que faz parte da
natureza e do crescimento.
Folha - O nascimento de uma nova ordem econômica?
Meirelles - O câmbio livre é o
nascimento do Brasil como um
país adulto e participante ativo do
mercado global. A mudança cambial é tão importante quanto a estabilização da moeda em 1994. É o
passo seguinte que faltava para a
estabilização da moeda.
Tivemos a estabilidade com liberdade de preços, mas mantivemos algo artificial, que foi a âncora
cambial. A âncora cambial era
compreensível por um curto período depois da estabilização, mas
insustentável a longo prazo. Os Estados Unidos jamais pensariam
em controlar a taxa do dólar em relação às demais moedas.
Folha - Mas, no Brasil, teme-se
que a liberdade cambial provoque
a volta da inflação?
Meirelles - Vai haver um ajuste
de preços. As mercadorias importadas vão subir de preço, mas isso
será um ajuste natural de preços
artificiais. A hiperinflação é o produto de uma política fiscal descontrolada e de uma política monetária frouxa.
Folha - Com que cenário o BankBoston trabalha para a economia
brasileira neste ano?
Meirelles - O cenário é de muita
turbulência nas próximas semanas. A boataria sobre moratória da
dívida interna e sobre a introdução
de controle cambial vai continuar
perturbando os mercados internacionais.
Folha - Qual é a sua opinião sobre a adoção da centralização do
câmbio no Brasil para controlar a
saída de dólares?
Meirelles - É um suicídio. Quem
vai emprestar dinheiro para um
sujeito que ameaça se suicidar? Isso perturba os mercados. A fuga de
dólares é fruto dessa boataria brasileira. São boatos que saem do
Brasil e reverberam em Nova York,
Londres e Tóquio. A taxa de câmbio vai cair um pouco e os dólares
vão parar de sair do país a partir do
momento em que o mercado acreditar que a nova política cambial
veio para ficar e que o Brasil não
vai cometer suicídio.
Folha - O controle cambial é um
suicídio?
Meirelles - A ameaça de controle
cambial vai acelerar a saída de dólares. O controle cambial é uma
declaração de concordata, que é
um passo antes da falência. A mera
discussão desse assunto tem um
impacto negativo nos fluxos cambiais. A confiança nas regras do jogo é que vai estabilizar a taxa de
câmbio. Quem vai querer colocar
dinheiro num país, ficando sujeito
a uma decisão de um burocrata para saber se vai poder tirá-lo ou
não?
O Brasil tem todas as condições
para atrair capital internacional. O
Brasil pode atrair US$ 20 bilhões,
em média, por ano, de investimentos diretos no setor produtivo e na
modernização da infra-estrutura.
E vai captar investimentos financeiros mesmo com uma taxa de juros de 10%, que é muito alta pelos
padrões internacionais. O Brasil
não tem de adotar medidas extravagantes. O Brasil precisa entrar
na corrente da história, precisa sair
da contramão. O Brasil vai atrair
muitos investimentos se parar de
falar em controle de câmbio e em
moratória.
A grande pergunta do mercado
internacional é se a sociedade brasileira vai aceitar que o Brasil seja
um participante legítimo da economia global. Se a comunidade internacional se convencer de que o
Brasil simplesmente vai ser um
país normal, a economia brasileira
vai ter uma melhora dramática.
Folha - Qual é a sua expectativa
com relação à taxa de juros?
Meirelles - A taxa de juros vai cair
muito com a aprovação das medidas fiscais. Pode cair para 10% ou
12%, ao ano, dentro de 18 meses.
Os mais otimistas prevêem 15%.
Mas, na minha opinião, não há justificativa para uma taxa de 15% a
médio prazo. É uma taxa muito alta. Vai cair para 10% daqui a um
ano e meio. Isso deve dar um impulso para o Brasil voltar a crescer
a taxas importantes a partir do ano
que vem.
Folha - A que nível de taxas?
Meirelles - O Brasil pode voltar a
crescer a taxas próximas de 7% ao
ano. O Brasil volta a crescer a partir do ano que vem e atinge taxas
próximas de 7% dois ou três anos
depois disso.
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