São Paulo, segunda, 25 de janeiro de 1999

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MERCADO TENSO
Previsão de desvalorização levou setor privado a fazer "hedge', ao contrário do que ocorreu no México em 94
"Morte anunciada' do real protegeu empresas

VANESSA ADACHI
da Reportagem Local


As semelhanças e diferenças entre as desvalorizações do peso mexicano, em 94, e do real, há quase duas semanas, têm sido muito discutidas.
Em meio a tantas dúvidas, uma coisa é certa para os especialistas: os bancos e empresas brasileiros estavam mais preparados para encarar uma desvalorização, o que deverá evitar uma quebradeira em massa, como a ocorrida no México após a crise.
É consenso entre profissionais da área que boa parte da dívida privada em dólares do país tinha algum tipo de "hedge", ou seja, estava protegida contra a desvalorização por algum instrumento financeiro.
O que fez com que nesse ponto as duas crises fossem diferentes?
Primeiro, as semelhanças mais evidentes. Os dois movimentos ocorreram poucos dias depois da posse de um novo presidente da República. No México, Ernesto Zedillo acabava de subir ao poder. No Brasil, Fernando Henrique havia sido reconduzido à Presidência há duas semanas.
²
Fuga de dólares
Outra semelhança importante é que os dois países sofriam de enorme déficit nas contas externas e, portanto, dependiam do capital estrangeiro, que, em dado momento, começou a fugir em massa.
Entretanto, enquanto a desvalorização mexicana foi inesperada, a brasileira foi longamente aguardada.
Guardando semelhanças com a história do livro "Crônica de uma morte anunciada", do escritor colombiano Gabriel Gárcia Márquez, a morte do sistema cambial brasileiro foi antecipada por quase todos, no Brasil e lá fora.
No livro, logo no primeiro parágrafo, o leitor fica sabendo que aquele que será a personagem principal da história, Santiago Nasar, está morto.
A política cambial adotada pela equipe econômica a partir do Plano Real sempre teve seus críticos, que consideravam a moeda brasileira sobrevalorizada.
Foi a partir da crise asiática deflagrada na metade de 97, no entanto, que a apreensão em torno da desvalorização do real cresceu.
Acreditava-se que, por ser extremamente dependente do capital estrangeiro para financiar o déficit externo, o país não resistiria à desconfiança que se instalara em relação às economias emergentes, sendo levado a desvalorizar a moeda para equilibrar as contas com o exterior.
E foi assim, ao longo dos meses que antecederam a fatídica quarta-feira 13, em que o governo finalmente permitiu uma maior desvalorização do real, que as empresas e bancos brasileiros puderam se proteger.
"No Brasil, todo mundo estava preocupado há muito tempo. Por isso, boa parte procurou fazer "hedge' de suas dívidas", diz André Lóes, economista-chefe do Bozano, Simonsen.
Para proteger uma dívida atrelada ao dólar é preciso colocar dinheiro em alguma aplicação que também acompanhe a variação da moeda norte-americana. Assim, a perda de uma é anulada pelo ganho na outra.
Nos leilões de títulos da dívida interna brasileira, cresceu a demanda por papéis atrelados ao dólar. Em junho de 97, os títulos cambiais representavam 9% da dívida interna federal. O percentual veio crescendo, chegou a 15% no início de 98 e bateu em 21% no final do ano.
Ao mesmo tempo, também cresceu a procura por contratos de dólar no mercado futuro da BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros). Nos últimos meses, quase ninguém mais vendia contratos futuros de dólares, só havia compradores. O único grande vendedor foi o Banco do Brasil, que vendeu o "hedge" que os demais bancos e empresas demandavam cada vez mais.
Nos dois casos, o governo começou bancando o "hedge" que o mercado pedia para sinalizar que o câmbio não seria alterado, pois, se algo mudasse, o governo teria enorme prejuízo.
Vencido pela expectativa do mercado, o governo deixou o câmbio flutuar e assumiu o prejuízo.
² Prejuízo
No caso dos títulos públicos atrelados ao dólar, o banco Bozano, Simonsen calcula que o prejuízo do governo em 99 será de R$ 14 bilhões. O governo tem um estoque de US$ 53 bilhões de dívida interna atrelada ao dólar, mas apenas US$ 25 bilhões vencem este ano.
A menos de uma semana da desvalorização, os "sinais" de que poderia haver a desvalorização ficaram ainda mais claros. Crescia a instabilidade dos mercados financeiros, na mesma proporção em que cresciam os comentários de que o governo seria obrigado a mexer no câmbio.
"Houve uma degradação muito forte das expectativas em relação ao Brasil naqueles dias", diz o diretor da tesouraria do Banco Fator, Sérgio Junqueira.
Por perceber essa "mudança de sinais", o banco decidiu inverter suas posições. Entre a quinta-feira, dia 7, e a sexta-feira, dia 8, o banco fez operações apostando na alta do dólar.
No dia 14, quinta-feira, o chefe da mesa de câmbio de um banco estrangeiro leu talvez o "último sinal" antes da flutuação do câmbio.
Logo depois das 18h, ele telefonou para a mesa de câmbio do BC querendo comprar dólares. Havia se tornado comum nos últimos tempos a prática de comprar a moeda diretamente do Banco Central, que tentava, com isso, evitar pressões maiores sobre a cotação do mercado.
Naquela noite, no entanto, o BC não quis vender a moeda. Para o chefe da mesa do banco, aquilo sinalizou que o governo não mais interferiria, deixando o câmbio flutuar. A expectativa se confirmou na manhã do dia seguinte.



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