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MERCADO TENSO
Previsão de desvalorização levou setor privado a fazer "hedge', ao contrário do que ocorreu no México em 94
"Morte anunciada' do real protegeu empresas
VANESSA ADACHI
da Reportagem Local
As semelhanças e diferenças
entre as desvalorizações do peso
mexicano, em
94, e do real, há
quase duas semanas, têm sido
muito discutidas.
Em meio a tantas dúvidas, uma
coisa é certa para os especialistas:
os bancos e empresas brasileiros
estavam mais preparados para encarar uma desvalorização, o que
deverá evitar uma quebradeira em
massa, como a ocorrida no México
após a crise.
É consenso entre profissionais
da área que boa parte da dívida
privada em dólares do país tinha
algum tipo de "hedge", ou seja, estava protegida contra a desvalorização por algum instrumento financeiro.
O que fez com que nesse ponto as
duas crises fossem diferentes?
Primeiro, as semelhanças mais
evidentes. Os dois movimentos
ocorreram poucos dias depois da
posse de um novo presidente da
República. No México, Ernesto Zedillo acabava de subir ao poder. No
Brasil, Fernando Henrique havia
sido reconduzido à Presidência há
duas semanas.
²
Fuga de dólares
Outra semelhança importante é
que os dois países sofriam de enorme déficit nas contas externas e,
portanto, dependiam do capital
estrangeiro, que, em dado momento, começou a fugir em massa.
Entretanto, enquanto a desvalorização mexicana foi inesperada, a
brasileira foi longamente aguardada.
Guardando semelhanças com a
história do livro "Crônica de uma
morte anunciada", do escritor colombiano Gabriel Gárcia Márquez,
a morte do sistema cambial brasileiro foi antecipada por quase todos, no Brasil e lá fora.
No livro, logo no primeiro parágrafo, o leitor fica sabendo que
aquele que será a personagem
principal da história, Santiago Nasar, está morto.
A política cambial adotada pela
equipe econômica a partir do Plano Real sempre teve seus críticos,
que consideravam a moeda brasileira sobrevalorizada.
Foi a partir da crise asiática deflagrada na metade de 97, no entanto,
que a apreensão em torno da desvalorização do real cresceu.
Acreditava-se que, por ser extremamente dependente do capital
estrangeiro para financiar o déficit
externo, o país não resistiria à desconfiança que se instalara em relação às economias emergentes, sendo levado a desvalorizar a moeda
para equilibrar as contas com o exterior.
E foi assim, ao longo dos meses
que antecederam a fatídica quarta-feira 13, em que o governo finalmente permitiu uma maior desvalorização do real, que as empresas
e bancos brasileiros puderam se
proteger.
"No Brasil, todo mundo estava
preocupado há muito tempo. Por
isso, boa parte procurou fazer
"hedge' de suas dívidas", diz André
Lóes, economista-chefe do Bozano, Simonsen.
Para proteger uma dívida atrelada ao dólar é preciso colocar dinheiro em alguma aplicação que
também acompanhe a variação da
moeda norte-americana. Assim, a
perda de uma é anulada pelo ganho na outra.
Nos leilões de títulos da dívida
interna brasileira, cresceu a demanda por papéis atrelados ao dólar. Em junho de 97, os títulos cambiais representavam 9% da dívida
interna federal. O percentual veio
crescendo, chegou a 15% no início
de 98 e bateu em 21% no final do
ano.
Ao mesmo tempo, também cresceu a procura por contratos de dólar no mercado futuro da BM&F
(Bolsa de Mercadorias e Futuros).
Nos últimos meses, quase ninguém mais vendia contratos futuros de dólares, só havia compradores. O único grande vendedor foi o
Banco do Brasil, que vendeu o
"hedge" que os demais bancos e
empresas demandavam cada vez
mais.
Nos dois casos, o governo começou bancando o "hedge" que o
mercado pedia para sinalizar que o
câmbio não seria alterado, pois, se
algo mudasse, o governo teria
enorme prejuízo.
Vencido pela expectativa do
mercado, o governo deixou o câmbio flutuar e assumiu o prejuízo.
²
Prejuízo
No caso dos títulos públicos atrelados ao dólar, o banco Bozano, Simonsen calcula que o prejuízo do
governo em 99 será de R$ 14 bilhões. O governo tem um estoque
de US$ 53 bilhões de dívida interna
atrelada ao dólar, mas apenas US$
25 bilhões vencem este ano.
A menos de uma semana da desvalorização, os "sinais" de que poderia haver a desvalorização ficaram ainda mais claros. Crescia a
instabilidade dos mercados financeiros, na mesma proporção em
que cresciam os comentários de
que o governo seria obrigado a mexer no câmbio.
"Houve uma degradação muito
forte das expectativas em relação
ao Brasil naqueles dias", diz o diretor da tesouraria do Banco Fator,
Sérgio Junqueira.
Por perceber essa "mudança de
sinais", o banco decidiu inverter
suas posições. Entre a quinta-feira,
dia 7, e a sexta-feira, dia 8, o banco
fez operações apostando na alta do
dólar.
No dia 14, quinta-feira, o chefe da
mesa de câmbio de um banco estrangeiro leu talvez o "último sinal" antes da flutuação do câmbio.
Logo depois das 18h, ele telefonou para a mesa de câmbio do BC
querendo comprar dólares. Havia
se tornado comum nos últimos
tempos a prática de comprar a
moeda diretamente do Banco Central, que tentava, com isso, evitar
pressões maiores sobre a cotação
do mercado.
Naquela noite, no entanto, o BC
não quis vender a moeda. Para o
chefe da mesa do banco, aquilo sinalizou que o governo não mais interferiria, deixando o câmbio flutuar. A expectativa se confirmou
na manhã do dia seguinte.
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