São Paulo, segunda, 25 de janeiro de 1999

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MERCADO TENSO
"O risco agora é não investir o suficiente no Brasil", afirma Robert J. Pelosky, estrategista do Morgan Stanley
É hora de comprar ações, diz banco dos EUA


RICARDO GRINBAUM
da Reportagem Local


Chegou a hora de voltar a investir no Brasil. A opinião é do norte-americano Robert J. Pelosky, 39, um dos estrategistas financeiros especializados em mercados emergentes mais influentes dos Estados Unidos.
Jay Pelosky, como é conhecido, é responsável por traçar a estratégia para investimentos em países em desenvolvimento para o Morgan Stanley Dean Witter, um dos maiores bancos de investimento do mundo.
"Há cinco meses, nós pensávamos que o risco era investir demais em ações brasileiras", diz Pelosky. "Como a maior parte dos investidores está com poucas aplicações no Brasil, o risco agora é não investir o suficiente no Brasil."
Na semana passada, Pelosky soltou um relatório para os clientes do banco recomendando a compra de ações brasileiras. As aplicações dos clientes orientados por Pelosky somam algumas dezenas de bilhões de dólares.
Numa carteira de ações ideal sugerida pelo banco, o analista recomendou um aumento de 2% no volume de papéis brasileiros, em contrapartida a uma redução nas aplicações no Chile e no Peru.
"Como as pessoas têm uma expectativa muito negativa em relação ao Brasil, há um potencial muito grande de uma surpresa positiva", acredita.
Na sua opinião,existem boas empresas nas Bolsas de Valores brasileiras, principalmente de telecomunicações, energia elétrica e bancos, a preços de barganha.
"É difícil imaginar o que poderia fazer o preço das ações em dólar cair a um patamar mais baixo do que já está", diz Pelosky, que esteve no Brasil na semana passada para acompanhar as consequências da desvalorização do real.
Um dos maiores defensores dos mercados emergentes entre os analistas financeiros norte-americanos, Pelosky acha que o Brasil pode devolver a confiança nos países em desenvolvimento. "O Brasil pode ser o ponto de virada", diz.
Apesar da aposta no Brasil, o estrategista do Morgan Stanley prevê dias difíceis para o país. Nas suas contas, a cotação da moeda ainda deve chegar a R$ 1,80, apesar de acreditar que o ponto de equilíbrio está em torno de R$ 1,60.
Pelosky diz que o Brasil desvalorizou sua moeda numa condição melhor do que a dos países asiáticos. Mesmo assim, ele disse que a economia deve encolher cerca de 4% em 1999. De Nova York, Pelosky deu a seguinte entrevista à Folha, por telefone:
Folha - O sr. está recomendando a compra de ações brasileiras. O sr. está confiante na recuperação da economia brasileira?
Robert Pelosky -
A decisão de deixar a cotação do real flutuar permite ao capital internacional tomar decisões, com clareza, se deve ou não entrar no Brasil. Antes da liberação do câmbio, havia uma percepção amplamente difundida de que a moeda brasileira estava supervalorizada e, por isso, não havia muita gente inclinada a apostar no país.
É claro que existem muitas coisas a serem feitas. Estamos de olho no ajuste fiscal, na renegociação com o FMI, na taxa de juros, na inflação e na movimentação de capitais. Mas eu penso que as pessoas estavam muito pessimistas sobre o Brasil e na capacidade de o país mudar a política cambial sem entrar numa espiral de desvalorização descontrolada da moeda. Acho que temos boa chance de termos uma surpresa positiva no Brasil.
Folha - O que o sr. está recomendando aos clientes do banco?
Pelosky -
Como a maior parte dos investidores está pouco exposta ao Brasil, penso que o risco hoje é estar fora do país. Há cinco meses, nós pensávamos que o arriscado era estar apostando demais no país e nós reduzimos nossa exposição às ações brasileiras no nosso porta-fólio ideal, recomendado aos nossos clientes. Agora eu acredito que o risco dos investidores é não estar suficientemente expostos ao Brasil. Por isso, voltamos a uma posição de equilíbrio em nosso porta-fólio ideal.
Folha - O sr. acredita que o Brasil pode voltar a atrair investimentos?
Pelosky -
O fato de a moeda flutuar permite aos investidores avaliar, com clareza, se eles acham os preços atraentes, se as políticas adotadas pelo governo são apropriadas e se eles pensam que os investimentos disponíveis no mercado financeiro são atrativos. Para nós, uma cotação entre R$ 1,50 e R$ 1,60 por dólar é atraente. As políticas que o governo está adotando em busca da reforma fiscal e os esforços para manter a estabilidade são muito importantes.
Calculando-se em dólar, os investimentos no Brasil ficaram muito atrativos. É difícil imaginar o que poderia fazer o preço das ações brasileiras cair mais dramaticamente do patamar que está hoje. Em compensação, posso ver, por exemplo, que o eventual sucesso em conter a inflação pode levar a uma redução dos juros. A queda nas taxas poderia levar a uma alta significativa das Bolsas em seis ou nove meses.
Folha - Como o sr. compara hoje o Brasil com outros mercados emergentes?
Pelosky -
Comparando os preços em dólar, o Brasil apresenta algumas das mais atraentes oportunidades no mundo. São particularmente atrativas algumas companhias telefônicas, empresas de energia elétrica e instituições financeiras. Essas empresas estão extremamente atraentes, porque são boas companhias, bem geridas. O Brasil tem empresas de excelente qualidade, com preço de barganha.
Isso não ocorre todos os dias. Só ocorre quando o ambiente é de incertezas e o Brasil oferece mais risco do que muitos outros países. Mas, na minha opinião, o risco maior de quem investe em mercados emergentes é estar com pequena exposição no Brasil.
Folha - O sr. acha que ainda corremos o risco da desvalorização sair de controle como muitos investidores temem?
Pelosky -
As chances que o Brasil possa desvalorizar entre 20% e 30% em termos reais é bem razoável. Não estou dizendo que a moeda não vai se enfraquecer ainda mais daqui para a frente. Mas o Brasil é bastante diferente do México e da Ásia. Isso está ficando mais evidente para as pessoas nos últimos meses.
Uma das diferenças é que os investidores estrangeiros nunca foram grandes participantes do mercado de dívida interna brasileira. É o contrário do que ocorreu no México, em 1994, quando 80% do mercado de Cetes (títulos da dívida do governo mexicano) estavam nas mãos de estrangeiros. Em 1998, entre 50% e 60% dos GKOs (títulos do governo russo) eram controlados pelos estrangeiros.
Outra grande diferença é que a desvalorização brasileira não foi uma surpresa como na Ásia. Todo mundo acreditava que estava ocorrendo um milagre econômico na Ásia. Não há o mesmo senso de surpresa no Brasil.
Além disso, a economia brasileira já está em retração, ao contrário da Ásia, onde os países estavam crescendo a 8% ou 10% ao ano, durante uma década. A economia brasileira tem deflação. São situações diferentes.
Os papéis brasileiros estão muito baratos, mesmo em termos de dólar, ao contrário da Ásia, que era muito cara antes do colapso da economia, em 1997. Além disso, o Brasil tem reservas por volta de US$ 40 bilhões e mais US$ 40 bilhões prometidos pelo FMI e por instituições internacionais. No México e na Rússia, os governos esperaram até que que as reservas se esvaziassem antes de desvalorizar.
A economia brasileira está muito mais aberta do que no passado, o que reduziu o potencial de crescimento da inflação. Como as expectativas são muito negativas, há um potencial para surpresas positivas, que é o que o que dá suporte às altas do mercado acionário.
Folha - O sr. é conhecido como um dos maiores defensores dos mercados emergentes. O sr. pensa que esses mercados podem se recuperar?
Pelosky -
Se o Brasil for bem-sucedido em encontrar seu caminho, poderia marcar o fim de um período de alta volatilidade dos mercados emergentes nos últimos dois anos. É difícil imaginar o que mais, no universo dos mercados emergentes, poderia criar um medo global como o Brasil tem criado nos últimos quatro ou seis meses. O Brasil era o grande medo dos mercados. Não só entre os emergentes, mas no mercado mundial.
Agora que o governo brasileiro tomou a decisão corajosa de deixar a moeda flutuar, os mercados estão bem em todo o mundo. O medo era maior do que a realidade. Além disso, é importante notar que temos muito mais liquidez no mundo do que há seis meses ou há um ano e meio. Os bancos centrais estão reduzindo suas taxas de juros. Há um colchão de liquidez no mundo. Espero que isso possa marcar o começo de uma excelente oportunidade para os investidores em mercados emergentes.
Folha - É possível calcular quanto dinheiro poderia retornar aos mercados emergentes?
Pelosky -
Não, é muito difícil prever isso. Mas uma coisa é clara: para os mercados emergentes irem bem como investimento devem atrair investidores não especializados. Estávamos justamente nesse processo, particularmente atraindo investidores norte-americanos, quando a Rússia quebrou. Os investidores ficaram com medo da volatilidade.
Precisamos reduzir a volatilidade para recuperar esses investidores. É por isso que digo que se o Brasil tiver sucesso isso pode significar um ponto de virada. Não só para o Brasil, mas para todos mercados emergentes.
Se você olhar para os Estados Unidos ou para a Europa é difícil encontrar oportunidades de valorização em empresas por seu potencial de gerar riqueza. Também está ficando cada vez mais difícil encontrar oportunidades de valorização por crescimento nos volumes de investimento nas Bolsas de Valores. É possível que se reiniciem aplicações em países emergentes, por parte de fundos não especializados, mas não espero grandes volumes. Mas como as Bolsas brasileiras estão movimentando pouco dinheiro em relação ao que movimentavam no passado, você precisa de relativamente poucos investimentos para elevar o preço das ações.
Folha - Qual a opinião do sr. sobre o futuro imediato da economia brasileira?
Pelosky -
A situação é muito fluida. Eu e outros analistas do Morgan Stanley estivemos no Brasil na semana passada e estamos chegando a um consenso de que deverá haver uma queda no PIB superior a 2%, provavelmente algo como 4%. Também pensamos que a moeda pode se desvalorizar até R$ 1,80 por dólar, mas a cotação vai retornar e se estabilizar por volta de R$ 1,50 ou R$ 1,60.
A decisão para deixar a moeda flutuar foi acertada, particularmente em relação ao impacto fiscal. Se o governo tivesse optado por aumentar os juros para defender a moeda, você teria um impacto negativo imediato nas despesas. Deixar a moeda desvalorizar tem um custo menor. Pensamos que o problema fiscal é central no Brasil e a combinação de políticas econômicas do governo está na direção correta.
Folha - O sr. acredita que existe risco de o governo brasileiro não honrar sua dívida?
Pelosky -
Não. Temos em nosso porta-fólio ideal C-Bonds (títulos da dívida externa brasileiro). Nós não teríamos esses papéis se pensássemos que existe possibilidade de calote. O governo reconhece a necessidade de pagar suas obrigações externas, particularmente em um momento como esse.



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