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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
O crime e os adolescentes
É preciso criar punições adequadas e elevar a chance
de apreensão do menor que
cometer um crime violento
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O ASSASSINATO de João Hélio,
um menino de apenas seis
anos, reacendeu o debate sobre a situação da segurança pública
no Brasil e sobre o que precisa ser
feito para reduzir a violência e a criminalidade. Porque um dos acusados é menor de idade, uma boa parte da discussão gerada pelo brutal
episódio concentrou-se na questão
da maioridade penal.
O crime violento é uma atividade
de jovens. Dados americanos indicam que o envolvimento com esse
tipo de crime aumenta dramaticamente durante a adolescência e
atinge o seu máximo aos 18 anos. No
final do século 20, os americanos
entre 15 e 19 anos totalizavam 7% da
população daquele país, mas constituíam 20% dos acusados por crimes
violentos. Como no Brasil não deve
ser diferente, a redução da violência
e da criminalidade exige uma mudança no tratamento do infrator
adolescente no nosso sistema judicial.
Li, nesta Folha, que o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva teria dito,
a propósito do menor acusado: "A
gente fica imaginando se a gente
tivesse naquele lugar e pudesse fazer alguma coisa. O que faria? Certamente faríamos quase a mesma
barbaridade que ele fez com aquela criança". A declaração atribuída
ao presidente é particularmente
absurda, mas espelha a visão de
uma parte dos nossos políticos,
para quem o criminoso de menos
de 18 anos é apenas o resultado das
péssimas condições sociais em que
vive. A única solução para o crime
seria resolver os problemas de pobreza e desigualdade. O fato de que
a grande maioria dos nossos jovens pobres não é criminosa parece escapar a esses observadores.
Estudos empíricos demonstram
que diversos fatores sociais têm
influência importante na taxa de
criminalidade. A criminalidade é
maior nos países com mais desigualdade. O aumento da escolaridade entre os jovens do sexo masculino está associado a uma menor
probabilidade de participação em
atividades criminais. James Heckman, o Prêmio Nobel e professor
de economia na Universidade de
Chicago, tem documentado o papel da educação pré-escolar na redução da taxa de criminalidade.
Diminuir a criminalidade é mais
uma razão para políticas focadas
em melhorar o futuro dos mais pobres. Mas os efeitos de uma melhor política social serão sentidos
principalmente no longo prazo, e é
urgente contemplar outras medidas com maior impacto imediato.
E, ao contrário do que muitos pensam no Brasil, há forte documentação empírica de que o criminoso
adolescente responde a um aumento na probabilidade de
apreensão e ao tipo de pena a que
está sujeito.
Nos Estados Unidos, a punição
por crimes violentos é em geral determinada por legislação de âmbito estadual. Há Estados em que os
menores de 18 anos recebem penas muito mais suaves do que os
adultos, enquanto em outros não
há praticamente diferença. Steve
Levitt, o autor de "Freakonomics"
e professor na Universidade de
Chicago, calculou que em cada um
desses dois grupos de Estados os
adolescentes de 15 anos cometem
em média 30% menos crimes violentos dos que os de 16 anos. Também em cada um desses grupos de
Estados os jovens de 16 anos cometem 20% menos crimes violentos do que aqueles com 17 anos.
Essa é, infelizmente, a progressão
usual do crime durante a adolescência, que já mencionei.
Há, no entanto, uma grande diferença entre os dois grupos de Estados quando se compara o grau
de criminalidade entre os jovens
de 17 e de 18 anos. Nos Estados em
que o tratamento aos menores é
leniente em comparação com o
tratamento aos adultos, os adolescentes de 17 anos cometem crimes
na mesma proporção daqueles
com 18 anos, enquanto onde o tratamento de menores é mais severo
os jovens com 17 anos cometem
20% menos crimes do que os seus
correspondentes com 18 anos.
Evidentemente, a maior severidade das penas em alguns Estados
age como instrumento de dissuasão para os menores. Nesse sentido, os jovens não são diferentes
dos seus colegas mais velhos e levam em conta as possíveis conseqüências de seus atos para a sua futura liberdade.
A questão da idade de maioridade é de certa forma secundária. O
que é preciso fazer agora é criar punições adequadas e aumentar
substancialmente as chances de
apreensão e encarceramento dos
menores que cometerem um crime
violento.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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