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Governo vê "desinformação" aliada a "distorção absurda"
Previdência Social reconhece existência de problema entre os trabalhadores rurais
Ministério responsável pelo
Bolsa Família afirma que é
preciso investir mais em
municípios para esclarecer
beneficiários do programa
DO ENVIADO ESPECIAL A BREJÕES
A trabalhadora rural Elieida
de Oliveira, 27, nunca teve a
carteira de trabalho assinada
-e prefere continuar assim.
Ela tem medo de perder os R$
80 que recebe por mês do Bolsa
Família para manter seus dois
filhos, de 6 e 11 anos, na escola.
Elieida trabalha apenas em
pequenas propriedades na região de Brejões, onde a fiscalização da Delegacia Regional do
Trabalho é mais branda e onde
fazendeiros ainda se arriscam a
contratar pessoal ilegalmente.
Ela recebe entre R$ 4 e R$ 5
por caixa de café colhido no pé.
Se trabalhar 30 dias durante o
período da colheita (que dura
de três a quatro meses) e colher
uma caixa e meia por dia, ganhará R$ 225 no final do mês.
Se tivesse o registro em carteira, receberia pelo menos R$
350 por mês -e, mesmo assim,
não perderia o benefício do
Bolsa Família.
Elieida é casada com Manuel,
que não pode trabalhar por
causa de um sério problema na
coluna. Com quatro membros
na família, mesmo que ficasse
registrada durante quatro meses em um ano, recebendo um
total de R$ 1.400 (quatro salários mínimos) no período,
Elieida continuaria elegível para receber o Bolsa Família.
Já a trabalhadora rural Maria
Miralva Monteiro, 54, afirma
que teve bloqueado o benefício
de R$ 50 ao mês que recebia do
Bolsa Família meses depois de
ter sido registrada durante quatro meses no ano passado.
Monteiro recomenda a todos
os conhecidos no programa que
evitem a "carteira fichada".
Pelo critério do MDS (Ministério do Desenvolvimento Social), têm direito ao Bolsa Família as famílias com filhos
com renda familiar per capita
média inferior a R$ 120. No caso das sem filhos, são R$ 60.
Segundo trabalho de Luciana
Jaccoud, do Ipea (Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada),
de todos os trabalhadores com
carteira assinada no país, cerca
de 9% participam de algum
programa de transferência de
renda estatal. Isso significa que
ter a carteira assinada não impede, necessariamente, de participar de um programa se a família continuar muito pobre.
Rosani Cunha, secretária de
renda e Cidadania do MDS,
atribui à "desinformação" entre os beneficiados do Bolsa Família casos como o de Elieida.
Ela afirma que tanto o MDS
quanto os municípios (que administram na prática o programa) têm de investir mais para
esclarecer melhor os direitos e
os deveres dos beneficiados.
"É preciso destacar também
que a renda proporcionada pelo Bolsa Família tem um forte
impacto para a erradicação do
trabalho insalubre e degradante", diz Rosani.
Em 2006, o Bolsa Família
atendeu 11,1 milhões de famílias e consumiu R$ 8,6 bilhões,
incluindo gastos de gestão.
Previdência
No caso dos trabalhadores
rurais que "fogem" do registro
em carteira para poderem
manter o direito de se aposentar aos 55 anos (mulheres) ou
aos 60 anos (homens), o Ministério da Previdência reconhece
o problema e o qualifica como
"uma distorção absurda".
Se o trabalhador tiver um
único dia de carteira assinada,
perderá a chance de se aposentar pelo regime especial e terá
duas opções: contribuir por
mais 13 anos seguidos ou esperar até 65 anos para se aposentar pelo Estatuto do Idoso (recebendo um salário mínimo).
"O trabalhador pede "pelo
amor de Deus" para não ser registrado", afirma Helmut
Schwarzer, secretário do Ministério da Previdência.
Para tentar corrigir essa distorção, o governo enviou ao
Congresso em abril do ano passado o projeto de lei 6.852/06.
Pelo projeto, o agricultor que
tiver registro em carteira por
até 120 dias em um ano não
perderá a chance de se aposentar aos 55 anos ou 60 anos (mulheres e homens, respectivamente). A medida ainda não foi
a plenário e saiu do regime de
urgência no final de 2006.
O peso do mínimo
O Nordeste é a região do Brasil que mais tem pessoas recebendo o salário mínimo e que
concentra mais da metade dos
aposentados rurais do país.
O grosso dos aposentados do
setor agrícola, que se aposenta
pelo regime especial da Previdência, nunca contribuiu diretamente com o sistema. Por isso, o salário mínimo que passa a
receber depois de parar de trabalhar é considerado um benefício social.
Segundo cálculos do especialista em contas públicas Raul
Velloso, o Brasil paga hoje cerca
de 30 milhões de contracheques a pessoas incluídas em
programas subsidiados ou fortemente subsidiados e indexados ao salário mínimo.
Entre 1987 e 2006, os gastos
com esses benefícios saltaram
1.362%, de R$ 5,2 bilhões/ano
para R$ 76 bilhões, o que ajuda
a explicar a melhora na distribuição de renda, especialmente
no Nordeste.
(FERNANDO CANZIAN)
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