São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2007

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Governo vê "desinformação" aliada a "distorção absurda"

Previdência Social reconhece existência de problema entre os trabalhadores rurais

Ministério responsável pelo Bolsa Família afirma que é preciso investir mais em municípios para esclarecer beneficiários do programa

DO ENVIADO ESPECIAL A BREJÕES

A trabalhadora rural Elieida de Oliveira, 27, nunca teve a carteira de trabalho assinada -e prefere continuar assim. Ela tem medo de perder os R$ 80 que recebe por mês do Bolsa Família para manter seus dois filhos, de 6 e 11 anos, na escola.
Elieida trabalha apenas em pequenas propriedades na região de Brejões, onde a fiscalização da Delegacia Regional do Trabalho é mais branda e onde fazendeiros ainda se arriscam a contratar pessoal ilegalmente.
Ela recebe entre R$ 4 e R$ 5 por caixa de café colhido no pé. Se trabalhar 30 dias durante o período da colheita (que dura de três a quatro meses) e colher uma caixa e meia por dia, ganhará R$ 225 no final do mês. Se tivesse o registro em carteira, receberia pelo menos R$ 350 por mês -e, mesmo assim, não perderia o benefício do Bolsa Família.
Elieida é casada com Manuel, que não pode trabalhar por causa de um sério problema na coluna. Com quatro membros na família, mesmo que ficasse registrada durante quatro meses em um ano, recebendo um total de R$ 1.400 (quatro salários mínimos) no período, Elieida continuaria elegível para receber o Bolsa Família.
Já a trabalhadora rural Maria Miralva Monteiro, 54, afirma que teve bloqueado o benefício de R$ 50 ao mês que recebia do Bolsa Família meses depois de ter sido registrada durante quatro meses no ano passado.
Monteiro recomenda a todos os conhecidos no programa que evitem a "carteira fichada".
Pelo critério do MDS (Ministério do Desenvolvimento Social), têm direito ao Bolsa Família as famílias com filhos com renda familiar per capita média inferior a R$ 120. No caso das sem filhos, são R$ 60.
Segundo trabalho de Luciana Jaccoud, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), de todos os trabalhadores com carteira assinada no país, cerca de 9% participam de algum programa de transferência de renda estatal. Isso significa que ter a carteira assinada não impede, necessariamente, de participar de um programa se a família continuar muito pobre.
Rosani Cunha, secretária de renda e Cidadania do MDS, atribui à "desinformação" entre os beneficiados do Bolsa Família casos como o de Elieida.
Ela afirma que tanto o MDS quanto os municípios (que administram na prática o programa) têm de investir mais para esclarecer melhor os direitos e os deveres dos beneficiados.
"É preciso destacar também que a renda proporcionada pelo Bolsa Família tem um forte impacto para a erradicação do trabalho insalubre e degradante", diz Rosani.
Em 2006, o Bolsa Família atendeu 11,1 milhões de famílias e consumiu R$ 8,6 bilhões, incluindo gastos de gestão.

Previdência
No caso dos trabalhadores rurais que "fogem" do registro em carteira para poderem manter o direito de se aposentar aos 55 anos (mulheres) ou aos 60 anos (homens), o Ministério da Previdência reconhece o problema e o qualifica como "uma distorção absurda".
Se o trabalhador tiver um único dia de carteira assinada, perderá a chance de se aposentar pelo regime especial e terá duas opções: contribuir por mais 13 anos seguidos ou esperar até 65 anos para se aposentar pelo Estatuto do Idoso (recebendo um salário mínimo).
"O trabalhador pede "pelo amor de Deus" para não ser registrado", afirma Helmut Schwarzer, secretário do Ministério da Previdência.
Para tentar corrigir essa distorção, o governo enviou ao Congresso em abril do ano passado o projeto de lei 6.852/06.
Pelo projeto, o agricultor que tiver registro em carteira por até 120 dias em um ano não perderá a chance de se aposentar aos 55 anos ou 60 anos (mulheres e homens, respectivamente). A medida ainda não foi a plenário e saiu do regime de urgência no final de 2006.

O peso do mínimo
O Nordeste é a região do Brasil que mais tem pessoas recebendo o salário mínimo e que concentra mais da metade dos aposentados rurais do país.
O grosso dos aposentados do setor agrícola, que se aposenta pelo regime especial da Previdência, nunca contribuiu diretamente com o sistema. Por isso, o salário mínimo que passa a receber depois de parar de trabalhar é considerado um benefício social.
Segundo cálculos do especialista em contas públicas Raul Velloso, o Brasil paga hoje cerca de 30 milhões de contracheques a pessoas incluídas em programas subsidiados ou fortemente subsidiados e indexados ao salário mínimo.
Entre 1987 e 2006, os gastos com esses benefícios saltaram 1.362%, de R$ 5,2 bilhões/ano para R$ 76 bilhões, o que ajuda a explicar a melhora na distribuição de renda, especialmente no Nordeste. (FERNANDO CANZIAN)



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