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São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2003

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Para Martone, conflito reduz vendas do Brasil

MAELI PRADO
DA REPORTAGEM LOCAL

A guerra entre Estados Unidos e Iraque vai atrasar a recuperação da economia global, tornando o mercado mundial mais pobre para as exportações brasileiras.
A consideração é do economista Celso Luiz Martone, professor da FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) da USP, que ressalva que as vendas externas devem empurrar novamente o crescimento do país em 2003, "mesmo porque não há outra alternativa".
Para Martone, outra consequência é que as incertezas decorrentes do conflito intensificarão a cautela dos agentes internacionais, que tendem a tomar uma posição mais defensiva em relação a países como o Brasil.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
 

Folha - O que podemos esperar para a economia brasileira em 2003 com as incertezas da guerra?
Celso Luiz Martone -
Existem dois canais de como a perturbação da guerra pode interferir no país: um financeiro e um comercial. Com o conflito, há um processo de aumento de cautela e os agentes internacionais tendem a tomar uma posição mais defensiva. Há busca por ativos mais seguros. O acesso do Brasil, um país de alto risco, ao mercado de capitais internacional vai continuar difícil ou então piorar. Do lado comercial, havia uma expectativa de que, após cerca de três anos de desvalorização cambial acentuada, as empresas se engajassem em exportações. Isso vem acontecendo, mas essa guerra vai atrasar qualquer perspectiva de recuperação mundial. Isso vai tornar o mercado mundial mais pobre para as exportações brasileiras.

Folha - Qual a situação da economia mundial?
Martone -
A expectativa mundial era a de que a economia americana, que vinha em crescimento medíocre, se recuperasse neste ano e puxasse os outros países, já que os traumas de 2000 e de 2001, como escândalos corporativos e atentados terroristas, estavam sendo absorvidos. Só que, com a decisão dos Estados Unidos de atacar o Iraque, que cria uma nova fonte de incertezas, essa previsão de recuperação tem de ser, no mínimo, postergada. Além disso, em dois anos de governo, o presidente George W. Bush transformou um superávit fiscal de quase 3% do PIB em déficit de quase 3%, o que é um indicador de que a economia americana vai ter problemas. A Europa, cujo crescimento está muito atrelado à economia americana, está em dificuldades, com crescimento muito pequeno. O Japão não cresce nada, pois vem de uma recessão de mais de dez anos. A atitude geral é defensiva, tanto por parte do consumidor como do investidor.

Folha - Os investidores internacionais não estão olhando para países emergentes com maior atenção, devido à desaceleração de grandes potências e a consequente redução dos juros nesses países?
Martone -
Esse efeito é pequeno, mesmo porque os investidores têm como opção o mercado asiático. Países como a China são muito mais dinâmicos e interessantes para o capital internacional. A América Latina como um todo está em uma fase muito ruim -não é uma região do mundo olhada com otimismo. No Brasil, as incertezas levaram à exacerbação do risco-país no final do ano passado. Na medida em que o novo governo assumiu e afirmou que ia adotar uma posição econômica ortodoxa, esse excesso foi sendo diluído. A atual política econômica brasileira, que está dando continuidade à do governo anterior, inibe o crescimento do país e nos mantém reféns dessa situação internacional.

Folha - Quais as alternativas para uma independência maior do Brasil em relação ao exterior?
Martone -
São necessárias algumas reformas estruturais para nos livrarmos da armadilha da dependência: reforma da Previdência, que produz rombo elevado e crescente, reforma tributária, para melhorar nossa competitividade, reforma trabalhista e reforma fiscal mais ampla. Mas são soluções difíceis e de médio prazo, e assim ficamos ao sabor das oscilações internacionais.

Folha - Como deve ficar o crescimento do Brasil neste ano?
Martone -
No final do ano passado, as previsões médias de crescimento do país eram de 2,5% a 3%. Hoje, apenas três meses depois, se fala em 1,5%. Houve até um movimento de otimismo, porque havia incerteza em relação ao novo governo e houve continuidade da política econômica, mas apesar disso a coisa não decolou. Em 2003, as exportações vão continuar puxando o crescimento brasileiro, até porque não há outra alternativa, mas isso fica condicionado a uma demanda externa menor. Com a aceleração da inflação nos últimos seis meses, taxa de juros reais alta e condições de crédito difíceis, não há fontes para o crescimento do país.


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