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São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

A banheira de JK

BENJAMIN STEINBRUCH

Diz a história que Juscelino Kubitschek teve a idéia de elaborar seu Plano de Metas numa banheira, na casa de seu cunhado Júlio Campos, durante a campanha eleitoral de 1955, em Belo Horizonte. Empossado em 31 de janeiro de 1956, JK não perdeu tempo. No dia seguinte, reuniu o ministério e apresentou seu programa, cujo mote era "50 anos em 5".
Naquela época, o Brasil era um país basicamente agrícola. Cerca de 60% da população vivia no campo, o PIB (Produto Interno Bruto) não passava de US$ 8 bilhões e a renda per capita alcançava apenas US$ 140 anuais. O Plano de Metas foi um sucesso porque promoveu a rápida industrialização do país, substituiu importações e deu início às exportações de produtos manufaturados. Por causa desse plano, JK é reverenciado até hoje como um grande estadista.
O Plano de Metas previa pesados investimentos em infra-estrutura nas áreas de transporte e energia, em indústrias de base, como siderurgia, papel e cimento, e em indústrias de máquinas, navios e automóveis. Além disso, programava a construção da nova capital no Centro-Oeste, Brasília.
Pelos seus objetivos ambiciosos, JK foi considerado, na época, um sonhador. Poucos achavam possível realizar tanta coisa em tão pouco tempo. Mas, ao deixar o governo, em 1960, boa parte do sonho já era realidade. Duas linhas de montagem de automóveis funcionavam, o país produzia navios, as obras de infra-estrutura haviam avançado e a capital já era Brasília.
Para realizar seu plano, JK abandonou a prudência econômica. Emitiu moeda, aumentou o endividamento e deixou de lado o controle de gastos. Conseguiu, com isso, promover um crescimento médio de 7% ao ano no PIB, mas, ao mesmo tempo, abriu as portas para a inflação. Quando terminaram os anos JK, a inflação estava em 40% ao ano.
O Brasil de hoje, passados mais de 40 anos, não pode, evidentemente, reeditar a imprudência econômica de JK. Precisa manter o equilíbrio fiscal e o controle da inflação. Apesar disso, está na hora de o país também resgatar um pouco da ambição sonhadora de Juscelino, voltar a fazer planos, estabelecer metas e persegui-las com obstinação.
Li há dias uma reportagem sobre a Índia. Apesar de todas as dificuldades da economia mundial e dos megaproblemas de um país com mais de 1 bilhão de habitantes, o governo da Índia mantém seu plano de crescer 8% anuais nos próximos cinco anos e tem metas destemidas em quase todos os setores. Na área do software, na qual os indianos são craques, pretende-se multiplicar por oito o faturamento atual, atingindo US$ 80 bilhões em 2008.
Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu o ministério para começar a elaborar o PPA (Plano Plurianual de 2004-2007). Ficou decidido que o programa será escrito depois de amplas consultas aos vários setores da sociedade para ser apresentado ao Congresso em 31 de agosto.
Na atual conjuntura, que inclui uma guerra, o PPA não pode ser mirabolante e megalomaníaco a ponto de comprometer a estabilidade com gastos irresponsáveis. Mas o plano tem de ser ousado em suas metas para a recuperação da infra-estrutura, principalmente de transportes e energia. Precisa prever objetivos específicos para habitação, saúde pública e saneamento. E deve também contemplar medidas arrojadas de apoio financeiro a projetos nacionais absorvedores de mão-de-obra.
Talvez seja bom que o PPA até seja concebido numa banheira, saído outra vez de uma cabeça iluminada. Mas é verdade que a discussão de meios e metas só pode ajudar a identificar as reais possibilidades, carências e anseios dos brasileiros. O governo deve, porém, cuidar para que o plano não seja prejudicado pelo assembleísmo, caracterizado pela discussão infindável e não-conclusiva dos temas.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.


E-mail - bvictoria@psi.com.br


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