São Paulo, quinta-feira, 25 de março de 2010 |
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VINICIUS TORRES FREIRE O grande desarranjo europeu
A ALEMANHA bateu o pé, e a França parecia ter concordado que o FMI tapasse o rombo das contas externas e o do governo da Grécia. Ontem, o caldo das indefinições político-financeiras europeias voltou a entornar. Não há acordo sobre ajuda direta europeia à Grécia, sobre "socorro" do FMI ou terceira -e ainda desconhecida- opção. Enquanto a novela se arrasta, o governo grego está praticamente reduzido à situação latino-americana de não conseguir se financiar a preço razoável no mercado e, assim, ter de apelar a um empréstimo e/ou garantia do Fundo. A União Europeia (UE) está dividida. Francamente, a UE está à beira de reconhecer que não dispõe de instituições capazes de impedir que um dos seus membros chegue a pedir água. Isto é, de que precisa de um empréstimo de emergência, sob duras condições, as do FMI. Fato consumado, a UE se mostrou incapaz de conter e de solucionar tal crise. A opção restante seria a de expulsar um membro que não seja capaz de seguir as normas do bloco. No entanto, ainda que as normas a respeito da exclusão de um membro da eurozona fossem claras, a medida teria sabor de grossa hipocrisia. Quase todos os países da eurozona estão pendurados com cartão amarelo, com dívidas e deficit estourados. Ou melhor, estão mesmo é próximos de um cartão vermelho: sob grande risco de não reduzirem seus deficit e dívidas antes de 2014. A Alemanha não tolera finanças em desordem. Com eleições próximas, o governo alemão endureceu ainda mais, dada a impopularidade do socorro aos gregos. Os alemães dizem agora que só pingarão dinheiro no cofre grego caso a Grécia não consiga captar dinheiro no mercado e, ainda assim, que o FMI chancele um socorro financeiro. Porém, se a Grécia não conseguir captar dinheiro, a vaca já estará no brejo. Os alemães dizem ainda que não houve, há ou haverá tão cedo cúpula europeia para tratar do caso grego e dos próximos candidatos ao cadafalso, como Portugal e Espanha (há uma cúpula europeia começando hoje). Diplomatas franceses, porém, dizem que se procura costurar ao menos um acordo para manter as aparências. Mas a aparência do enrosco europeu está feia. Ontem, uma agência de classificação de risco de calote degradou a nota de Portugal. Tais agências estão mais desacreditadas que de hábito. De resto, o mercado costuma se antecipar às notas que essas instituições ineptas dão a países e a empresas. As agências chegam apenas depois das batalhas findas, para louvar os vencedores e matar os feridos. No entanto, muitos contratos exigem que os devedores tenham tal ou qual nota de risco mínima. Sem isso, o crédito de quem tem "nota baixa" encarece ou desaparece. Na prática, as notas dessas agências importam. O desarranjo político europeu e a degradação creditícia de Portugal derrubaram o valor do euro para o nível mais baixo em dez meses (em relação ao dólar). Os protestos de rua continuam na Grécia e balançam o ânimo dos parlamentares, que têm de aprovar algumas das medidas de arrocho fiscal (cortes de aposentadorias, salários, reformas na saúde, nas leis trabalho etc.). Nas ruas tranquilas de Portugal, a temperatura começa a aumentar.
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