São Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Ainda a questão dos juros


Haverá custos, mas os benefícios de um sucesso na ação do BC serão sentidos por um período bastante longo

NA SEMANA posterior à decisão do Copom de aumentar a taxa Selic em 0,5 ponto percentual, muita água passou por debaixo da ponte no mercado de juros. A reação inicial, influenciada pela adição de uma frase conciliadora no comunicado que se seguiu a essa reunião, foi de tranqüilidade. Os juros mais longos chegaram até a cair nos mercados futuros da BM&F. Alguns analistas previam um período de três reuniões do Copom para o aperto das condições monetárias e um aumento inferior a um ponto percentual.
Mas esse movimento foi de curta duração, não mais do que 24 horas. Nos dias seguintes, assistimos a uma alta contínua dos juros, com os contratos com vencimento em janeiro de 2010 chegando a quase 14% ao ano. Esse valor implicava um aumento adicional dos juros de mais de 3,5 pontos percentuais ao longo dos próximos 12 meses.
Quando escrevo esta coluna, esses mesmos contratos são negociados com juros da ordem de 13,70% ao ano, ou seja, projetando um aumento adicional de 2,75 pontos percentuais.
Essa mudança brutal nas expectativas me parece associada a uma leitura mais correta da dinâmica da inflação que estamos vivendo nestes últimos meses. Apesar de inúmeros analistas citarem a alta dos alimentos como a grande culpada pelos índices de preços mais elevados neste início de 2008 -e, portanto, pouco sensível ao aumento dos juros-, essa não é a leitura do Banco Central. Para a autoridade monetária, o processo de aumento dos preços de hoje está associado, também, a uma demanda interna aquecida demais e que pode contaminar seriamente as expectativas.
Com isso, há o risco de que o aumento inicialmente pontual da inflação se transforme em algo mais permanente, o que elevaria o custo de trazer a inflação de volta para a meta.
A ata da última reunião do Copom mostra isso de maneira inequívoca. Adicionaria apenas o fato de que o mercado de trabalho tem mostrado também um aquecimento perigoso, com sinais pontuais de pressão sobre os salários em setores mais dinâmicos da economia, como o siderúrgico, o automobilístico e a construção civil. Ontem mesmo o IBGE divulgou os dados sobre o emprego em cinco regiões metropolitanas -o índice do desemprego está 2% mais baixo do que o de março do ano passado-, confirmando esse quadro de pressão sobre o mercado de trabalho.
A piora no mercado de juros está claramente associada à leitura de que o BC vai agir no sentido de esfriar a atividade econômica. E todos sabem que, para que isso ocorra, o aumento dos juros terá que ser mais intenso do que a primeira leitura da decisão do Copom. Tomando o mercado como referência, estamos falando de algo entre 2,5 e 3 pontos percentuais, com o ciclo de aumentos da Selic entrando pelos primeiros meses de 2009.
Creio que os dados sobre atividade econômica ainda virão na contramão do que deseja o Banco Central por alguns meses. Se isso realmente ocorrer, as tensões no mercado de juros vão continuar e, como é padrão em situações como essa, um exagero pode ocorrer. De qualquer forma, precisamos entender que a tarefa do Banco Central nos próximos meses não será fácil. Como sempre ocorre em situações como essa, os custos de um ajuste na demanda virão na frente dos benefícios de um pouso suave da economia. Mas os benefícios de um sucesso na ação do BC serão sentidos por um período bastante longo.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS , 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br


Texto Anterior: Lucro da Vale despenca 55,8% no 1º tri
Próximo Texto: Petroleira BP investe no álcool brasileiro
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.