São Paulo, quinta-feira, 25 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Crise das Bolsas pode minar confiança de empresários

ANDREW HILL
DO "FINANCIAL TIMES", EM NOVA YORK

O tumulto nas Bolsas mundiais pode fazer com que os líderes empresariais do mundo voltem ao círculo vicioso de baixa confiança e de investimentos de capital sempre adiados. Essa é uma das conclusões de uma pesquisa mundial do "Financial Times" sobre confiança empresarial, na qual mais de 30 executivos de primeiro escalão em empresas multinacionais responderam a perguntas sobre perspectivas econômicas, planos de gastos e governança corporativa.
Ao todo, 34 executivos -a maioria funcionários de empresas com extensas operações internacionais- responderam ao questionário, em junho e no começo de julho. A pesquisa foi reforçada por entrevistas com outros executivos importantes.
A maioria manifestou otimismo igual ou maior quanto à situação geral de seus setores em relação aos resultados do início do ano, mas ainda teme que a queda nas Bolsas tenha "efeito negativo significativo" sobre suas operações.
O impacto não se limita aos EUA, onde múltiplos escândalos e as concordatas da Enron e da WorldCom minaram a confiança dos investidores e empresários. Douglas Daft, presidente da Coca-Cola, disse em sua resposta: "Quando uma crise de confiança atinge nossas empresas e nossas economias, precisamos compreender que ela tem implicações para além de muitas fronteiras".
Uma desaceleração prolongada nos mercados poderia facilmente reverter o moderado otimismo quanto a uma recuperação econômica mundial detectado na pesquisa do "Financial Times".
"Acredito que o pior já tenha passado", escreveu Marco Tronchetti Provera, presidente da Telecom Italia e um dos executivos mais admirados de seu país, em resposta à pergunta sobre perspectivas setoriais. "Mesmo assim, o ritmo da recuperação será inicialmente moderado. Não creio que o crescimento volte em ritmo tão rápido quanto o do final dos anos 90, ao menos por enquanto."
Entrevistado em uma reunião de executivos-chefes no final de junho, A. G. Lafley, executivo-chefe da Procter & Gamble, concordou com a idéia de uma recuperação gradual. "Vemos crescimento lento mas firme nos mercados, pelo menos nos EUA, Europa e certamente na China. Na verdade, o ponto fraco principal continua a ser o Japão, e, na Europa, eu diria que a Alemanha está sendo o retardatário. De um ponto de vista de lucros, decerto não estamos vendo crescimento robusto, mas não acredito que estejamos em recessão. O crescimento decerto é bastante modesto."
Houve exceções a esse discreto otimismo, especialmente nos setores que foram prejudicados seriamente pela crise dos últimos dois anos, com o esvaziamento da bolha no setor de alta tecnologia.
Henning Kagermann, um dos executivos-chefes da SAP, grupo de software alemão, disse que, "dado o clima atual e o frenesi da mídia", estava menos otimista quanto à situação geral de negócios em seu setor do que há seis meses. Em 11 de julho, a SAP alertou que não cumpriria suas metas de vendas para o ano, e ela não atingiu os números esperados por analistas no segundo trimestre.
Kurt Hellstrom, presidente da Ericsson, empresa sueca de telefonia móvel, disse que a posição de seu grupo não mudara. "Dissemos [há seis meses" que estávamos otimistas, a longo prazo, porque víamos a necessidade de reconstrução da infra-estrutura nas operadoras de telefonia. Mas no momento não conseguimos ver a luz no fim do túnel."
O momento exato de recuperação para a economia dos EUA produziu ampla variedade de respostas, se bem que, entre as 30 empresas que responderam, 12 acreditassem que o quarto trimestre deste ano era o ponto inicial mais provável para uma retomada do crescimento econômico.
A maioria dos executivos que responderam diz não planejar aumento de gastos no segundo semestre. Dos 32 que responderam a essa pergunta, 18 disseram que não esperavam autorizar novos investimentos de capital nos próximos seis meses. Sete disseram que os gastos não mudariam.
A respeito de investimentos em tecnologia da informação -um dos principais propulsores do crescimento econômico nos EUA-, 21 dos executivos disseram que estavam retendo ou reduzindo gastos, enquanto 11 aumentaram seus investimentos.
Mas alguns dos que devem elevar seus investimentos de capital têm motivos específicos para isso.
Hans-Joachim Körber, presidente do grupo de varejo alemão Metro, disse que "é normal que o investimento de capital suba no segundo semestre", porque é nessa época que lojas costumam ser abertas. A Bertelsmann disse querer elevar seus investimentos de capital e "economizar nos gastos com tecnologia da informação".
O desânimo nos mercados de ações -mais que o terrorismo ou as conseqüências do colapso da Enron- é o principal peso para a confiança dos empresários.
Mas as próprias Bolsas refletem o abalo da confiança nos negócios e a falta de uma retomada real no investimento empresarial. Sob as circunstâncias, talvez não surpreenda que, dos 33 executivos que responderam à pergunta sobre contratações e demissões em termos líquidos, apenas nove informaram que aumentariam suas equipes no segundo semestre.
Respostas como essas sugerem que eliminar o círculo vicioso que está pressionando para baixo os mercados e a confiança talvez seja um processo demorado. Ao classificar as questões macroeconômicas como sua principal preocupação, os líderes empresariais destacaram a deflação de preços como fator mais preocupante, seguido por aumentos nos juros.
Longe de poder explorar a demanda dos consumidores por seus produtos, as empresas estão sendo forçadas a oferecer descontos maiores a fim de persuadir os consumidores a abrir suas carteiras, mais especialmente nos EUA, onde as montadoras de automóveis acabam de iniciar outra rodada de financiamento a juro zero para veículos novos. A pesquisa indica que os executivos crêem que um aumento nos juros, hoje, causaria novo abalo à confiança.


Tradução de Paulo Migliacci


Texto Anterior: Mercado em transe: Brasil ruma para calote, diz banco dos EUA
Próximo Texto: Em transe: Brasil pode ir ao FMI em breve, diz Armínio
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.