São Paulo, quinta-feira, 25 de julho de 2002

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EM TRANSE

Pela primeira vez desde colapso argentino, Armínio convoca entrevista; país vai ao FMI "em semanas" se crise não amainar

Brasil pode ir ao FMI em breve, diz Armínio

LEONARDO SOUZA
NEY HAYASHI DA CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, disse ontem que, se "a conjuntura adversa não melhorar", é provável que o governo recorra novamente ao Fundo Monetário Internacional nas próximas semanas.
Segundo Armínio, se o novo acordo com o FMI for fechado antes das eleições, não seria necessário compromisso formal dos candidatos à Presidência. Disse que seria um programa curto, de seis a doze meses: "Pode ser importante reforçar esse período".
A preocupação de Armínio é permitir que o próximo governo possa trabalhar com "o mínimo de tranquilidade", que possa sair da "atitude defensiva" que a atual equipe econômica tem tido para uma "atitude construtiva".
Ele convocou entrevista ontem na sede do BC para falar sobre a conjuntura econômica, o que não fazia desde o ano passado, no auge da crise da Argentina.
Armínio disse que, apesar de a projeção da equipe econômica apontar para uma inflação superior ao teto da meta deste ano (de 5,5%), o BC vai trabalhar para inverter a tendência. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

PRÓXIMO GOVERNO - Temos a preocupação de criar condições para que o próximo governo possa realizar seus projetos e tenha uma atitude construtiva, pró-ativa e não defensiva. Hoje nós estamos vivendo um momento que exige da nossa parte uma atitude mais defensiva. Nós temos de tratar de construir um caminho especialmente para que, a partir do início do ano que vem, se possa ter um horizonte de desenvolvimento positivo. Nós estivemos nesse caminho, mas, infelizmente, nessa sequência perversa de choques, acabamos caindo numa atitude mais defensiva. A minha maior preocupação é essa: arrumar a casa para que o próximo presidente possa trabalhar com o mínimo de tranquilidade.

O FMI E O MÉDICO - Ir ao FMI é igual a ir ao médico. Ninguém vai ao médico porque gosta. O que posso dizer é que ir ao FMI nos momentos mais difíceis, na verdade, é uma opção que só traz benefícios, não tem custos. Se existe o compromisso com a responsabilidade fiscal, que é do nosso interesse, com a inflação, que é do nosso interesse, com a eficiência econômica (...) Se existe esse compromisso, num momento de dificuldade, ter acesso ao financiamento do FMI é algo que tem grandes benefícios para economia. Não ter acesso a esses financiamentos nos momentos mais difíceis significa impor um custo à sociedade (...) Em 1999, se não fosse o apoio do FMI, teríamos mergulhado numa recessão profunda, os ajustes teriam que ter sido além do necessário.

SITUAÇÃO DESCONFORTÁVEL -Certamente o Brasil não está numa situação confortável. Gostaríamos de estar crescendo 5% ao ano, com tranquilidade, mas isso não está acontecendo. A minha preocupação se estende a 2003. A preocupação prática é a administração do próximo presidente. Vejo uma conjuntura adversa e, se isso não melhorar, se essa confiança no Brasil não se recuperar rapidamente, nós temos que agir, e agir de maneira preventiva (...) É melhor prevenir do que remediar. Acho que hoje temos de repensar nossos alicerces para estarmos preparados. Mas não temos visão de médio prazo pessimista, não. Acho que vamos conseguir superar essas dificuldades, mas vai exigir um esforço contínuo durante algum tempo, o que certamente inclui o próximo governo.

NOVO PACOTE DE AJUDA - Não necessariamente [esperar o segundo turno para recorrer novamente ao FMI". Se fosse para fazer algo a mais curto prazo [até a eleição", eu digo que não [a necessidade de compromisso formal dos candidatos com metas acertadas com o Fundo". Se for algo mais adiante, depois das eleições, seria natural que o presidente eleito participasse da discussão de forma determinante. Não há dúvida quanto a isso.
Existem várias opções. Temos de decidir o que é melhor tendo como horizonte de seis a doze meses, porque acho que pode ser importante reforçar esse período (...) Se a coisa [a crise" ficar como está, é muito provável [fechar novo acordo com o FMI neste ano". Poderia sair em semanas.
Existe uma série de modelos de acordos, com etapas, com contingências, acordo que é feito mais cedo, mais tarde. Depende do que parecer ser do nosso interesse. Existe um cardápio. A questão é avaliar o que é melhor. Se o mercado continuar assim, acho que é razoável esperar que, em algum momento, vamos ao FMI.

COMPROMISSOS A nossa idéia não é assumir um compromisso de longo prazo com o próximo governo, acho que isso não seria razoável. Nós estamos falando aqui da possibilidade de um acordo mais curto. Se, por exemplo, formos ao Fundo depois das eleições, aí sim, o presidente eleito poderia pensar em algo mais longo, se ele achar que é conveniente e assumir os compromissos.

INFLAÇÃOAs projeções [de inflação" estão acima de 5,5% [para 2002", acima da meta. Mas estamos trabalhando para mudar isso. Vamos virar esse quadro. Agora, se vai acontecer em dias, semanas, meses [não sei", não tenho bola de cristal. É tudo uma questão de avaliar as circunstâncias [sobre a perda de credibilidade por não cumprir a meta de inflação pelo segundo ano consecutivo". Se acontecer uma situação em que fique claro para todos que foram choques, problemas que aconteceram ao longo do ano, e exigir uma resposta mais gradual, para não trazer custos excessivos ao processo, creio que não [haverá perda de credibilidade". Se o dólar baixar, e isso vai ocorrer em algum momento, haverá impacto positivo sobre a inflação.

CANDIDATOS -[Os presidenciáveis precisam" aprofundar essas questões [sobre seus planos para a economia", fazer os testes de consistência necessários. Às vezes, na vida, a gente tem de insistir, não adianta ficar frustrado. Precisa ter uma postura fria. Tem de dizer: "O que eu posso fazer para resolver o problema? Ah, eu já falei". Então fala mais, faz mais, especifica mais, escuta mais.

EMPREGO - Queremos garantir o crescimento do emprego, e isso depende de investimento, do crescimento sustentável. Não depende de um aumento temporário da demanda [que poderia ser feito com uma queda dos juros". A melhor forma de garantir o emprego é com a criação de um ambiente macroeconômico que estimule o investimento.



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