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São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2003

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LUÍS NASSIF

O CEO e o técnico

No curto período do governo Jânio Quadros, o embaixador Walther Moreira Salles foi incumbido de negociar a dívida brasileira nos Estados Unidos. Era uma encrenca só, com a dívida pulverizada entre milhares de investidores. O embaixador foi lá e em pouquíssimo tempo equacionou o problema. Certa vez indaguei dele como tinha sido o trabalho técnico, os cálculos, a modelagem financeira etc. Sua resposta foi simples: "Eu penso a estratégia. Contas são com os técnicos".
Conto a história para ilustrar a diferença de funções, tanto em âmbito de governo como de empresas. Numa ponta há o formulador, o estadista, empreendedor ou CEO. Na outra, os técnicos.
Os primeiros necessitam de visão ampla sobre todos os aspectos que envolvem a questão. Essa visão não se aprende na escola. Exige conhecimento, criatividade para pensar saídas, sensibilidade para conferir o ritmo adequado de mudança e coragem para mudar. Ao técnico -em geral, o financeiro- cabe fazer as contas para ajudar a dimensionar as consequências de cada ação pensada pelo formulador.
No comando de uma empresa, o sujeito com visão estritamente financeira poderá liquidar com seu futuro, desarticulando departamentos essenciais apenas para melhorar a performance de curto prazo. Essa mesma lógica vale para o Banco Central. O diretor-operador tem conhecimento em geral restrito apenas ao mercado.
Uma segunda característica do técnico é a aversão ao risco. Paradoxalmente, trata-se de uma atitude defensiva típica de quem trabalha em mercado de risco, o de sempre buscar a maioria, como forma de defesa. É só conferir as previsões dos departamentos econômicos dos bancos às vésperas da crise cambial de 1999. Preferiam errar em turma a acertar sozinho. Isso porque sua formação não lhes permite avançar além da planilha e do manual (há os que conseguem agregar informações mais amplas à sua formação técnica, mas são exceções).
Hoje se está em faixa de risco com o câmbio apreciado. Se o superávit comercial encurtar e o país voltar a depender de capital de fora, a possibilidade de um desastre é ampla. O único fator que poderá impedir o desastre é a hipótese pouco provável de o superávit comercial resistir a essa valorização do dólar. Na dúvida, não se poderia correr esse risco da apreciação cambial.
Se no comando da economia houvesse pessoas de visão ampla, imediatamente definiriam a estratégia de reduzir a vulnerabilidade externa, correriam o risco da mudança e ordenariam que se voltasse a desvalorizar o real, até que se eliminasse de vez a vulnerabilidade externa. Aí, sim, entrariam os técnicos cumprindo a sua função, fazendo suas continhas e apresentando alternativas técnicas, sem se expor ao risco -como ocorre com todo técnico.
Quando os técnicos assumem o comando, ficam todos escondidos atrás de uma ortodoxia vazia, usando o manual como álibi para a não-ação. E o iceberg chegando...

Desvalorização
Alguns leitores escrevem expondo contra-indicações de uma desvalorização cambial. A questão não é se é boa ou não: mas se é possível ou não manter o câmbio apreciado e qual é o risco implícito nessa decisão.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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