São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Os riscos da valorização da moeda chinesa

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

No início dos anos 80, a política econômica de Ronald Reagan -com seu dólar supervalorizado, enormes déficits orçamentários e nas contas externas- favoreceu as exportações dos países da Ásia. Japão, Coréia e Taiwan produziram alentados superávits em conta corrente.
Em 1985, os clamores protecionistas alcançaram muitos decibéis, e os Estados Unidos trataram de coordenar a desvalorização do dólar e, assim, conter os danos causados à competitividade da sua indústria. Os japoneses foram obrigados, depois do acordo do Plaza, a engolir duas poções indigestas:
1) a valorização do iene afetou as exportações para a área do dólar e causou sérios prejuízos para os bancos que carregavam em suas carteiras ativos denominados na moeda americana; e 2) a abertura financeira ajudou a promover a "inflação" no mercado de ações e no imobiliário.
Nos anos 90, a estagnação que se seguiu à derrocada dos preços dos ativos daria impulso ao movimento de "deslocalização" japonesa para os vizinhos. Nesse momento, a China estava a completar a primeira década de crescimento acelerado. Executava seus programas de reforma econômica combinando uma agressiva estratégia exportadora, a atração de investimentos diretos estrangeiros nas zonas liberadas e forte investimento estatal em infra-estrutura.
Entre a estagnação japonesa e o dinamismo da China, o comércio entre os países da Ásia iria se expandir a taxas elevadas. Sobretudo depois da desvalorização de 1994, o "drive" exportador chinês -amparado no crescimento americano- vai deslocar a participação dos outros asiáticos em terceiros mercados e, ao mesmo tempo, demandar importações de bens de capital, peças e componentes dos "perdedores". O crescimento europeu foi sendo "espremido" pelas estratégias mercantilistas dos países asiáticos, concebidas para o crescimento rápido, graduação tecnológica e ganhos de participação em todos os segmentos de mercado.
Os ciclos de crescimento dos Estados Unidos, no pós-guerra, ensejaram a construção de uma teia de relações produtivas, comerciais, financeiras e monetárias tão "virtuosas" quanto conflitivas no "espaço" EUA-Ásia-Europa.
Nessas condições, a correção dos desequilíbrios do balanço de pagamentos, mediante o "realinhamento" entre as moedas (leia-se a "valorização" do yuan) é uma idéia simplista e perigosa. Tal cometimento pode desatar -além da contração global das atividades- fortes perturbações cambiais e financeiras nos países que sopram bolhas nos mercados de ativos.
O FMI (Fundo Monetário Internacional) defende a "redistribuição" de déficits e superávits entre as regiões envolvidas, o que exigiria não só a reativação das fontes de crescimento domésticas na Europa e no Japão como também a moderação das estratégias mercantilistas nos emergentes asiáticos. Mas, como Keynes havia previsto em seus escritos preparatórios para a reunião de Bretton Woods, tal coordenação de políticas supõe um verdadeiro sistema monetário internacional ou um sistema monetário verdadeiramente internacional. Não é o que está à vista.


Luiz Gonzaga Belluzzo, 61, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


Texto Anterior: Opinião econômica - José Alexandre Scheinkman: Para crescer, é preciso investir em infra-estrutura
Próximo Texto: Negócios: Empresas brasileiras concentram decisões
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.