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OPINIÃO ECONÔMICA
Juros, as ameaças e a oportunidade
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
A economia brasileira, que
entrou em profundo desequilíbrio macroeconômico em
1980, necessitou de 14 anos para
controlar a inflação. Estabilizados os preços em 1994, as contas
externas e as contas públicas desajustaram-se. A partir, porém,
da crise de 1998, o ajuste externo e
o fiscal começaram. O primeiro
completou-se em 2003, depois de
uma segunda crise de balanço de
pagamentos, enquanto o segundo, apesar dos elevados superávits primários, continua incompleto, porque uma medida imprescindível para o equilíbrio macroeconômico -uma taxa de juros do Banco Central moderada- não foi ainda restabelecida.
Na última reunião do Copom, a
Selic foi aumentada em mais 0,50
ponto percentual. Entretanto não
vou nesta coluna discutir se as autoridades monetárias acertaram
ou não ao perseguir uma meta de
inflação com manipulação de
uma taxa de juros posicionada
em um nível absurdo, porque não
quero entrar em um jogo que vem
causando grave prejuízo para o
país. Um juro básico que não desce abaixo de 9% em termos reais é
sinal de que o país está preso em
uma armadilha de altas taxas cuja gravidade pode ser vista pelo
valor dos juros pagos pelo Estado
brasileiro.
A baixa efetiva dessa taxa não
pode ocorrer no quadro da atual
política de metas de inflação, mas
a partir de uma decisão estratégica do governo de buscar livrar a
economia brasileira da armadilha em que ela se encontra há
muitos anos. Quando o governo
Lula tomou posse, há quase dois
anos, não havia condições para
tomar essa decisão. Há pelo menos um ano, porém, as condições
existem, mas o governo, atemorizado, não tem coragem de enfrentar o problema de frente e continua a se submeter às advertências
ameaçadoras dos interessados no
país e no exterior.
As ameaças são bem conhecidas
e não resistem à análise econômica. "É preciso combater a inflação
e cumprir a meta", dizem, transformando a meta em um totem e
esquecendo que as acelerações da
inflação têm sido quase exclusivamente causadas por choques de
custo. "A alta inflação vai voltar",
garantem, ignorando que a economia está aberta à competição
internacional e que, diferentemente do que acontecia no período 1980-94, a indexação restante
na economia brasileira não é suficiente para realimentar automaticamente qualquer nível de inflação. "A dívida pública deixará
de ser financiada", acrescentam,
como se os portadores de moeda
tivessem alternativa a emprestar
no "overnight" para o governo.
"O país deixará de atrair capitais", clamam, esquecendo que,
desde 1994, os déficits em conta
corrente foram causa da apreciação da taxa de câmbio e estagnação econômica, mas que, depois
de duas crises, alcançamos, em
2003, superávit em conta corrente
e dispensamos poupança externa.
O que os interessados não querem ver, mas os governantes poderiam perceber, é que a depreciação cambial alcançada abre
uma oportunidade de ouro para
o governo iniciar um processo estratégico de baixa da taxa Selic,
para que alcance níveis compatíveis com as classificações de risco
do Brasil: cerca de 3% em termos
reais. A equação macroeconômica perversa que regeu a economia
brasileira desde 1994 foi baixa taxa de câmbio, elevado déficit público e alta taxa de juros.
Uma taxa de câmbio valorizada e um déficit público excessivo
precisavam ser compensados por
juros altos. Resolvido o problema
da sobrevalorização da taxa de
câmbio e alcançado um alto superávit primário, ainda que à
custa de elevação da carga tributária, a taxa de juros deixa de ser
a compensação de duas outras
distorções e pode ela própria ser
baixada com mais facilidade.
Os governantes poderiam se dar
conta do absurdo dos argumentos
por trás da política do Banco Central, porque a opinião pública fica
cada vez mais indignada com o
assalto ao Tesouro público que a
tabela mostra. Porque, não obstante ainda escaldada pela alta
inflação de 1980-94, começa a
perceber que esse tipo de inflação,
de fato, não ameaça mais o país.
E porque o Brasil é uma democracia na qual o debate público tem
avançado e deixa cada vez mais à
mostra a insubsistência dos argumentos convencionais.
Aproveitará o governo a oportunidade proporcionada? Não
creio. Amedrontado pelas ameaças da ortodoxia convencional, e
satisfeito com o modesto crescimento que o bom desempenho
externo está permitindo, acomodou-se. E se tornou refém de um
Banco Central que, apoiado por
essa mesma ortodoxia, não presta
contas a ninguém. Enquanto o
Banco Central americano tem como objetivos estatutários "promover efetivamente o máximo de
emprego, preços estáveis e juros
de longo prazo moderados", o
Banco Central do Brasil esconde-se atrás de uma política de metas
de inflação que não consulta aos
interesses do país e usa a taxa de
juros de uma forma imoderada,
que beneficia rentistas à custa do
Tesouro Nacional.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 70, professor da Fundação Getúlio Vargas e ex-ministro da Fazenda, da Administração e
da Ciência e Tecnologia, é autor de "Democracy and Public Management Reform" (Oxford University Press, 2004).
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail -
bresserpereira@uol.com.br
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