São Paulo, segunda-feira, 25 de outubro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Juros, as ameaças e a oportunidade

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

A economia brasileira, que entrou em profundo desequilíbrio macroeconômico em 1980, necessitou de 14 anos para controlar a inflação. Estabilizados os preços em 1994, as contas externas e as contas públicas desajustaram-se. A partir, porém, da crise de 1998, o ajuste externo e o fiscal começaram. O primeiro completou-se em 2003, depois de uma segunda crise de balanço de pagamentos, enquanto o segundo, apesar dos elevados superávits primários, continua incompleto, porque uma medida imprescindível para o equilíbrio macroeconômico -uma taxa de juros do Banco Central moderada- não foi ainda restabelecida.
Na última reunião do Copom, a Selic foi aumentada em mais 0,50 ponto percentual. Entretanto não vou nesta coluna discutir se as autoridades monetárias acertaram ou não ao perseguir uma meta de inflação com manipulação de uma taxa de juros posicionada em um nível absurdo, porque não quero entrar em um jogo que vem causando grave prejuízo para o país. Um juro básico que não desce abaixo de 9% em termos reais é sinal de que o país está preso em uma armadilha de altas taxas cuja gravidade pode ser vista pelo valor dos juros pagos pelo Estado brasileiro.
A baixa efetiva dessa taxa não pode ocorrer no quadro da atual política de metas de inflação, mas a partir de uma decisão estratégica do governo de buscar livrar a economia brasileira da armadilha em que ela se encontra há muitos anos. Quando o governo Lula tomou posse, há quase dois anos, não havia condições para tomar essa decisão. Há pelo menos um ano, porém, as condições existem, mas o governo, atemorizado, não tem coragem de enfrentar o problema de frente e continua a se submeter às advertências ameaçadoras dos interessados no país e no exterior.
As ameaças são bem conhecidas e não resistem à análise econômica. "É preciso combater a inflação e cumprir a meta", dizem, transformando a meta em um totem e esquecendo que as acelerações da inflação têm sido quase exclusivamente causadas por choques de custo. "A alta inflação vai voltar", garantem, ignorando que a economia está aberta à competição internacional e que, diferentemente do que acontecia no período 1980-94, a indexação restante na economia brasileira não é suficiente para realimentar automaticamente qualquer nível de inflação. "A dívida pública deixará de ser financiada", acrescentam, como se os portadores de moeda tivessem alternativa a emprestar no "overnight" para o governo. "O país deixará de atrair capitais", clamam, esquecendo que, desde 1994, os déficits em conta corrente foram causa da apreciação da taxa de câmbio e estagnação econômica, mas que, depois de duas crises, alcançamos, em 2003, superávit em conta corrente e dispensamos poupança externa.
O que os interessados não querem ver, mas os governantes poderiam perceber, é que a depreciação cambial alcançada abre uma oportunidade de ouro para o governo iniciar um processo estratégico de baixa da taxa Selic, para que alcance níveis compatíveis com as classificações de risco do Brasil: cerca de 3% em termos reais. A equação macroeconômica perversa que regeu a economia brasileira desde 1994 foi baixa taxa de câmbio, elevado déficit público e alta taxa de juros.
Uma taxa de câmbio valorizada e um déficit público excessivo precisavam ser compensados por juros altos. Resolvido o problema da sobrevalorização da taxa de câmbio e alcançado um alto superávit primário, ainda que à custa de elevação da carga tributária, a taxa de juros deixa de ser a compensação de duas outras distorções e pode ela própria ser baixada com mais facilidade.
Os governantes poderiam se dar conta do absurdo dos argumentos por trás da política do Banco Central, porque a opinião pública fica cada vez mais indignada com o assalto ao Tesouro público que a tabela mostra. Porque, não obstante ainda escaldada pela alta inflação de 1980-94, começa a perceber que esse tipo de inflação, de fato, não ameaça mais o país. E porque o Brasil é uma democracia na qual o debate público tem avançado e deixa cada vez mais à mostra a insubsistência dos argumentos convencionais.
Aproveitará o governo a oportunidade proporcionada? Não creio. Amedrontado pelas ameaças da ortodoxia convencional, e satisfeito com o modesto crescimento que o bom desempenho externo está permitindo, acomodou-se. E se tornou refém de um Banco Central que, apoiado por essa mesma ortodoxia, não presta contas a ninguém. Enquanto o Banco Central americano tem como objetivos estatutários "promover efetivamente o máximo de emprego, preços estáveis e juros de longo prazo moderados", o Banco Central do Brasil esconde-se atrás de uma política de metas de inflação que não consulta aos interesses do país e usa a taxa de juros de uma forma imoderada, que beneficia rentistas à custa do Tesouro Nacional.


Luiz Carlos Bresser-Pereira, 70, professor da Fundação Getúlio Vargas e ex-ministro da Fazenda, da Administração e da Ciência e Tecnologia, é autor de "Democracy and Public Management Reform" (Oxford University Press, 2004).
Internet: www.bresserpereira.org.br
E-mail - bresserpereira@uol.com.br


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