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São Paulo, terça-feira, 25 de novembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Nacionalismo é bom!

BENJAMIN STEINBRUCH

Nos longos anos de crise da economia brasileira houve desnacionalização em massa. Costumo dizer que só os malucos teimosos, categoria na qual me incluo, deixaram de vender suas empresas ao capital estrangeiro. As tentadoras ofertas de montanhas de dólares enlouqueceram empresários brasileiros. Entregues à sua própria sorte, atormentados por deficiência crônica de capital de longo prazo, juros altíssimos e tributação exorbitante, eles não resistiram ao assédio estrangeiro.
Nenhuma crítica aos que venderam suas empresas. Pensavam na sobrevivência que as aplicações financeiras podiam (e ainda podem) garantir mais tranquilamente do que o investimento produtivo. Nenhuma crítica também à presença de capital estrangeiro na economia. Ele traz tecnologia, cria empregos e ajuda a aumentar as exportações necessárias para o país captar divisas e equilibrar o balanço de pagamentos.
O capital estrangeiro é bem-vindo, mas não se pode permitir que ele tome conta de setores estratégicos da economia. É assim no mundo todo. Há poucas divergências na identificação desses setores: petróleo e petroquímica, siderurgia, mineração, logística e geração de energia são alguns dos mais importantes. O apagão de 2001 mostrou, por exemplo, que não passa de ilusão a idéia de que se pode entregar ao capital estrangeiro a tarefa de expandir a oferta de energia elétrica, insumo vital para a atividade produtiva. No auge da crise, algumas empresas cancelaram investimentos e outras ameaçaram deixar o país.
Fez-se um carnaval nos últimos dias porque o BNDES comprou 8,5% de participação das ações da Valepar, holding que controla a Vale do Rio Doce. Críticos disseram que isso seria o primeiro passo na reestatização da economia. Ataques desleais atingiram o presidente do BNDES, Carlos Lessa, que é uma figura honesta e inteligente, homem da cátedra absolutamente atualizado com a economia global. Só posso imaginar aqueles que se habituaram a usar o BNDES em beneficio próprio se sentirem agora desconfortáveis com a presença de Lessa, um nacionalista no bom sentido, autor de 13 livros e professor em matéria de apoio ao desenvolvimento.
As declarações públicas de diretores do BNDES deixam claro que a intenção não é retomar o controle estatal da Vale, mas sim mantê-lo em mãos nacionais. Essa intenção é correta. A Vale, como a Petrobras e outras, é patrimônio nacional, opera em setores altamente estratégicos, pode ter capital estrangeiro, mas sua administração não pode ser entregue a grupos estrangeiros.
Em vez de ceder seu controle ao exterior, a Vale precisa fazer o caminho inverso. Eficiente e privatizada, ela sempre teve crédito interno e externo para se internacionalizar, caso desejasse, por meio da compra ou criação de mineradoras no exterior.
Tive a oportunidade de dirigir a Vale durante dois anos, depois da privatização, e defendi enfaticamente a internacionalização da companhia, em todas as suas áreas operacionais: mineração, celulose, alumínio, siderurgia e infra-estrutura, mas interesses contrariados não permitiram que essa iniciativa prosperasse. Se o BNDES decidiu entrar no capital da empresa para impedir a sua desnacionalização e para estimular a sua internacionalização, merece aplausos. A Vale, maior exportadora mundial de minério de ferro, é um conhecido objeto de cobiça de grandes grupos estrangeiros.
Os brasileiros não devem ter receio do nacionalismo sadio, aquele que visa a proteger do assédio estrangeiro setores estratégicos e competitivos das empresas brasileiras. Como disse o próprio Lessa em seu discurso de posse, não faz sentido um banco de desenvolvimento assistir ao sucateamento e à destruição de frações produtivas importantes da economia nacional. Cabe ao BNDES dar apoio efetivo a essas empresas para que invertam o processo e passem de vendedoras a compradoras de ativos no mercado internacional.
As grandes exportadoras brasileiras, de setores como mineração, siderurgia, papel e celulose, têxteis, calçados e agronegócios, têm tudo para internacionalizar a sua produção, por meio da abertura de empresas ou compra de concorrentes no exterior. Quando se pesquisa a origem das multinacionais, observa-se que, antes de internacionalizar a produção, eram grandes exportadoras. A instalação de unidades industriais lá fora ajuda a estimular exportações de matérias-primas e componentes, garante mercados e proporciona lucros que podem ser remetidos para a matriz.
Essas empresas de setores estratégicos ou globalmente competitivos não podem passar para as mãos do capital estrangeiro. O BNDES e outras instituições oficiais têm o dever de ajudá-las na tarefa de se capitalizar, crescer e internacionalizar operações. Nesse caso, o nacionalismo é sempre sadio.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional e presidente do conselho de administração da empresa.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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