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GESNER OLIVEIRA
Mitos sobre concorrência e bancos
É comum afirmar que a concentração no mercado bancário é elevada, mas
índices mostram o contrário
A FUSÃO entre Submarino e
Americanas.com, anunciada
nesta semana, criou empresa
que representa cerca de metade do
comércio eletrônico no Brasil. A
concorrência é, portanto, um dos
vários aspectos que chamaram a
atenção nessa operação.
Mas a análise concorrencial é repleta de sutilezas. Tome-se o exemplo da concorrência no mercado
bancário, que foi objeto de discussão
em seminário internacional do
Ibrac (Instituto Brasileiro de Concorrência, Consumo e Comércio),
que termina hoje em Campos de
Jordão.
Há cinco mitos freqüentes sobre o
assunto. Em primeiro lugar, é comum afirmar que a concentração no
mercado bancário é particularmente elevada quando comparada com
outros setores.
No entanto, uma comparação
simples entre os índices de concentração de diversos setores indica o
contrário. Um indicador habitual de
concentração é o chamado HHI, que
varia de zero, em mercados muito
desconcentrados, a 10 mil, em um
monopólio, quando uma única empresa detém todo o mercado. O segmento bancário apresenta HHI da
ordem de 1.300, considerado moderado, contra 8.600 para construção
e montagem de aeronaves, 6.300 para sabões, detergentes e glicerina,
5.000 para artigos de caça e pesca e
4.400 para fabricação de máquinas
para escritório.
Centenas de outros segmentos
poderiam ser citados com níveis de
concentração superiores ao dobro
daquele que costuma ser encontrado para o setor bancário. Tais níveis
elevados não deveriam surpreender
em economia historicamente concentrada como a brasileira.
Em segundo lugar, alega-se que a
concentração bancária é excepcionalmente alta no Brasil relativamente ao resto do mundo. No entanto, a comparação com outros países emergentes não mostra isso. Para citar alguns exemplos, México e
República Tcheca registram índices
de concentração superiores aos do
Brasil. A Hungria, por sua vez, registra nível comparável ao do Brasil
(1.200).
Em terceiro lugar, supõe-se que a
concentração cresceu na última década. Entretanto, a observação de
diferentes indicadores de concentração não corrobora essa afirmação. Não se verifica tendência de aumento na concentração medida sob
diferentes formas e variáveis como
crédito, ativos e depósitos.
Em quarto lugar, afirma-se por vezes que a concentração é funcional
para a estabilidade do sistema e que,
portanto, a regulação concorrencial
é desnecessária. É como se a concorrência pudesse fazer mal ao sistema
bancário. Não é isso o que os dados
sugerem. É possível demonstrar estatisticamente que a competição diminui a probabilidade de crise bancária. Isto é, um sistema mais um
mercado bancário mais competitivo
tende a ser mais sólido e mais estável.
Em quinto, é comum tratar o mercado de forma agregada como "mercado de bancos". Isso é feito muitas
vezes para simplificar a análise e facilitar a obtenção dos dados. Porém
há, na realidade, múltiplos mercados com estrutura e dinâmica concorrenciais muito diferenciadas.
Assim, por exemplo, as condições
de entrada, inovação, fidelização e as
alternativas para os consumidores
de serviços bancários são muito distintas em se tratando de pessoas físicas ou de pessoas jurídicas; ou de
acordo com a faixa de renda, baixa,
média ou alta; ou, ainda, de acordo
com o porte pequeno, médio ou
grande da pessoa jurídica. Resultados agregados informam pouco sobre as condições de concorrência vivenciadas no cotidiano desses mercados.
As considerações acima sobre o
setor bancário sugerem que a concentração não é tudo na análise concorrencial. Embora útil, deve ser
considerada ao lado de um conjunto
amplo de variáveis. Um mercado pode ser concentrado e razoavelmente
competitivo. A própria forma de
medir a concentração varia e, mais
importante, a própria definição de
que mercado está sendo estudado
deve ser rigorosa.
A exemplo do setor bancário, o comércio eletrônico também exigirá
análise específica. Será necessário
delimitar corretamente esse mercado, bem como avaliar seu potencial
de expansão e as condições de entrada. Essas serão algumas das variáveis analisadas em um operação como a entre Submarino e Americanas.com.
GESNER OLIVEIRA, 50, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP,
presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e
ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
gesner@fgvsp.br
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