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OPINIÃO ECONÔMICA
O desafio de 2004
ABRAM SZAJMAN
Se as vendas do Natal deste
ano se situarem no mesmo nível verificado no ano passado, esta terá sido a única data comemorativa do comércio a não ter
desempenho menor do que o obtido em 2002. O Dia das Mães, que
é a segunda melhor data para o
varejo, vendeu neste ano 8,2%
menos do que em 2002. Na mesma comparação, no Dia dos Namorados a redução foi de 5%, no
Dia dos Pais, de 5,4%, e no Dia
das Crianças, de 6,14%.
É preciso que o Natal seja melhor para que o comércio possa fechar o ano com queda de apenas
1% no faturamento. Isso porque,
no desempenho acumulado neste
ano até outubro, a retração no faturamento do comércio atingiu
3,36% em relação a igual período
do ano passado. Em outubro, a
Pesquisa Conjuntural do Comércio Varejista, da Fecomércio/SP,
registrou baixa de 10,71% em relação ao mesmo mês de 2002. Foi
a maior queda do ano e a sexta
consecutiva. Encolheu o faturamento real de todos os segmentos,
à exceção do de comércio automotivo, beneficiado pela redução
do IPI dos veículos.
A causa desse ano difícil está na
soma de três fatores: uma política
monetária restritiva, o desemprego recorde e a renda dos consumidores corroída por uma inflação
elevada, apesar de declinante. A
economia apresenta paradoxos
extraordinários: esses sacrifícios
impostos à população resultaram
em significativa redução do risco-país e melhoraram o perfil de alguns fatores macroeconômicos,
inclusive a taxa real de juros.
O pior já passou, garantem as
autoridades da área econômica.
Pode ser. A indústria dá sinais de
recuperação e o comércio deve
melhorar a partir do segundo trimestre do ano que vem, quando a
redução lenta, gradual e segura
das taxas de juros estiver sendo
sentida na ponta. Ocorre, porém,
que, sem novos investimentos, a
economia continuará como a tábua das marés, com as cheias sucedendo às baixas e vice-versa.
Em outras palavras, apenas com
o preenchimento da capacidade
ociosa esse alento pode representar aumento do PIB em 2004, mas
não uma perspectiva de crescimento sustentado que resista
além desse ano.
Para que os investimentos voltem, é preciso mais do que austeridade fiscal. É necessário um
ambiente macroeconômico saudável, que implica tirar a reforma
tributária do atoleiro em que se
encontra, no qual os entes federados (União, Estados e municípios) partem e repartem o bolo,
enquanto os contribuintes assistem a tudo sem direito a opinar e
ainda podem ser chamados, no final, a arcar com um aumento de
carga tributária, como ocorreu
em relação à Cofins.
A falta de empregos é também
consequência da falta de empreendedores. A falta de empreendedores resulta da falta de
lucro. Há muito tempo, nós nos
acostumamos a pensar em juros e
em crédito e deixamos de lado a
lógica do processo, esquecendo-nos de que o estímulo ao investimento depende da garantia de retorno do capital aplicado. Trata-se de retomar a visão do lado real
da economia, aquela que contempla maior produção, mais emprego e mais renda.
A queda dos juros pode ajudar,
mas não basta. Faltam empreendedores legalizados, mas sobra
burocracia. De acordo com levantamento do Banco Mundial realizado em 130 países, no Brasil se
gastam em média 152 dias para
abrir uma empresa, mais do que
o dobro da média do tempo gasto
na América Latina, que é de 74
dias. Assim, é preciso estimular o
espírito empreendedor neste país,
criando condições favoráveis para a abertura e para o desenvolvimento de novos negócios.
Infelizmente, não é o que se tem
observado: o Estado não tem prazo para responder às solicitações
das empresas, como certificados e
autorizações, entre outros. As políticas governamentais poderiam
contribuir para a criação de empresas, reduzindo as exigências
burocráticas e fiscais nos primeiros anos de vida do pequeno empreendimento, permitindo, assim, sua autocapitalização e crescimento.
Basta observar, por exemplo,
que, na França, a abertura da
empresa resume-se a um único
documento. Nos Estados Unidos,
são cinco documentos, que podem ser obtidos em quatro dias.
Para propiciar um clima mais favorável ao registro de novas empresas, propomos a criação de um
guichê único, uma espécie de
"poupa tempo do empresário",
onde ficaria centralizado todo o
procedimento de abertura e encerramento da empresa. Além
disso, a autorização e a concessão
deveriam ser automáticas para
pleitos com o setor público, caso
este não responda em prazo a ser
determinado.
Em resumo, o problema não é
2004 ser melhor do que este ano.
O desafio é garantir, por meio de
reformas como a tributária e a
trabalhista, entre outras medidas,
que novos investimentos assegurem um crescimento sustentado
que vá além do mero aproveitamento da capacidade ociosa do
aparelho produtivo.
Abram Szajman é empresário, presidente da Federação e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo e presidente do conselho de administração do
grupo VR.
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Paulo Nogueira Batista Jr.
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