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São Paulo, quinta-feira, 25 de dezembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O desafio de 2004

ABRAM SZAJMAN

Se as vendas do Natal deste ano se situarem no mesmo nível verificado no ano passado, esta terá sido a única data comemorativa do comércio a não ter desempenho menor do que o obtido em 2002. O Dia das Mães, que é a segunda melhor data para o varejo, vendeu neste ano 8,2% menos do que em 2002. Na mesma comparação, no Dia dos Namorados a redução foi de 5%, no Dia dos Pais, de 5,4%, e no Dia das Crianças, de 6,14%.
É preciso que o Natal seja melhor para que o comércio possa fechar o ano com queda de apenas 1% no faturamento. Isso porque, no desempenho acumulado neste ano até outubro, a retração no faturamento do comércio atingiu 3,36% em relação a igual período do ano passado. Em outubro, a Pesquisa Conjuntural do Comércio Varejista, da Fecomércio/SP, registrou baixa de 10,71% em relação ao mesmo mês de 2002. Foi a maior queda do ano e a sexta consecutiva. Encolheu o faturamento real de todos os segmentos, à exceção do de comércio automotivo, beneficiado pela redução do IPI dos veículos.
A causa desse ano difícil está na soma de três fatores: uma política monetária restritiva, o desemprego recorde e a renda dos consumidores corroída por uma inflação elevada, apesar de declinante. A economia apresenta paradoxos extraordinários: esses sacrifícios impostos à população resultaram em significativa redução do risco-país e melhoraram o perfil de alguns fatores macroeconômicos, inclusive a taxa real de juros.
O pior já passou, garantem as autoridades da área econômica. Pode ser. A indústria dá sinais de recuperação e o comércio deve melhorar a partir do segundo trimestre do ano que vem, quando a redução lenta, gradual e segura das taxas de juros estiver sendo sentida na ponta. Ocorre, porém, que, sem novos investimentos, a economia continuará como a tábua das marés, com as cheias sucedendo às baixas e vice-versa. Em outras palavras, apenas com o preenchimento da capacidade ociosa esse alento pode representar aumento do PIB em 2004, mas não uma perspectiva de crescimento sustentado que resista além desse ano.
Para que os investimentos voltem, é preciso mais do que austeridade fiscal. É necessário um ambiente macroeconômico saudável, que implica tirar a reforma tributária do atoleiro em que se encontra, no qual os entes federados (União, Estados e municípios) partem e repartem o bolo, enquanto os contribuintes assistem a tudo sem direito a opinar e ainda podem ser chamados, no final, a arcar com um aumento de carga tributária, como ocorreu em relação à Cofins.
A falta de empregos é também consequência da falta de empreendedores. A falta de empreendedores resulta da falta de lucro. Há muito tempo, nós nos acostumamos a pensar em juros e em crédito e deixamos de lado a lógica do processo, esquecendo-nos de que o estímulo ao investimento depende da garantia de retorno do capital aplicado. Trata-se de retomar a visão do lado real da economia, aquela que contempla maior produção, mais emprego e mais renda.
A queda dos juros pode ajudar, mas não basta. Faltam empreendedores legalizados, mas sobra burocracia. De acordo com levantamento do Banco Mundial realizado em 130 países, no Brasil se gastam em média 152 dias para abrir uma empresa, mais do que o dobro da média do tempo gasto na América Latina, que é de 74 dias. Assim, é preciso estimular o espírito empreendedor neste país, criando condições favoráveis para a abertura e para o desenvolvimento de novos negócios.
Infelizmente, não é o que se tem observado: o Estado não tem prazo para responder às solicitações das empresas, como certificados e autorizações, entre outros. As políticas governamentais poderiam contribuir para a criação de empresas, reduzindo as exigências burocráticas e fiscais nos primeiros anos de vida do pequeno empreendimento, permitindo, assim, sua autocapitalização e crescimento.
Basta observar, por exemplo, que, na França, a abertura da empresa resume-se a um único documento. Nos Estados Unidos, são cinco documentos, que podem ser obtidos em quatro dias. Para propiciar um clima mais favorável ao registro de novas empresas, propomos a criação de um guichê único, uma espécie de "poupa tempo do empresário", onde ficaria centralizado todo o procedimento de abertura e encerramento da empresa. Além disso, a autorização e a concessão deveriam ser automáticas para pleitos com o setor público, caso este não responda em prazo a ser determinado.
Em resumo, o problema não é 2004 ser melhor do que este ano. O desafio é garantir, por meio de reformas como a tributária e a trabalhista, entre outras medidas, que novos investimentos assegurem um crescimento sustentado que vá além do mero aproveitamento da capacidade ociosa do aparelho produtivo.


Abram Szajman é empresário, presidente da Federação e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo e presidente do conselho de administração do grupo VR.

Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Paulo Nogueira Batista Jr.


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