São Paulo, sábado, 26 de janeiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Governo teme "efeito AmBev" na Vale

Planalto receia que compra da Xstrata pela empresa brasileira possa transferir decisões da mineradora para o exterior

Governo faz restrições ao negócio avaliado em US$ 90 bi e pode usar BNDES e fundos de pensão de estatais para tentar barrá-lo

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As restrições do governo à possibilidade de a Vale comprar a mineradora anglo-suíça Xstrata se devem ao temor da repetição do "efeito AmBev", segundo disse ontem à Folha um auxiliar direto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Por "efeito AmBev", leia-se: o negócio Vale-Xstrata poderia ser o primeiro passo para que o centro de decisão da companhia se transfira do Brasil para o exterior, o que aconteceu com a cervejaria.
Criada em 1999, a AmBev foi resultado da fusão da Antarctica com a Brahma. Na época, a Kaiser e os defensores do negócio travaram dura disputa comercial. O governo brasileiro, comandado então pelo tucano Fernando Henrique Cardoso, viabilizou a operação por meio de autorização do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão do Ministério da Justiça.
Um dos argumentos favoráveis à fusão era o de criação de uma grande empresa nacional que pudesse atuar globalmente. Em 2004, a AmBev se fundiu com a Interbrew, um grupo belga. Na avaliação do governo atual, petista e adversário do tucano FHC, o resultado é hoje desfavorável ao consumidor. A AmBev tem 70% do mercado nacional de cerveja, não enfrenta forte concorrência e seu centro de decisão não é mais nacional.
O receio de que a eventual compra da Xstrata dê à Vale o mesmo destino é um dos principais motivos para Lula e a cúpula do governo resistirem ao negócio entre as grandes mineradoras. Lula tem se queixado publicamente de que a Vale, o maior grupo privado do país, investe pouco no país.
Um auxiliar do presidente disse que ele pode ser convencido de que o negócio traria benefícios. Anteontem, Lula jantou com o presidente da Vale, Roger Agnelli, no Rio.
A Vale já confirmou interesse na compra da Xstrata e o início de tratativas nesse sentido, sob o argumento de que seria melhor para sobrevivência global da empresa. O valor do negócio seria de US$ 90 bilhões -US$ 30 bilhões dos quais seriam quitados com a oferta de ações preferenciais da Vale. No mercado, estima-se o valor da companhia brasileira em US$ 120 bilhões.
Na opinião de integrantes da cúpula do governo, o negócio poderia transferir para propriedade estrangeira grande parte de uma empresa nacional que o governo julga estratégica para o desenvolvimento. A Vale foi privatizada em 1997.
O Palácio do Planalto poderia tentar inviabilizar a compra da Xstrata por meio do BNDESPar, subsidiária do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) que tem participações em empresas, e pela Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil). BNDESPar e Previ têm participação na Vale e representantes no Conselho de Administração.
Integrantes do governo brasileiro afirmam que a operação Vale-Xstrata é diferente da fusão entre Brasil Telecom e a Oi (antiga Telemar) -este negócio conta com simpatia do governo e depende de aval político e econômico do Planalto.
Motivo: o governo sustenta que a operação BrT-Oi seria benéfica ao consumidor, porque criaria uma empresa mais apta a competir com a Embratel e a Telefônica no mercado nacional. O controle da empresa também ficaria em mãos nacionais.
O governo avalia ainda que as duas empresas são complementares, pois atuam em regiões diferentes do país. Acredita que, juntas, terão capacidade de competir com a mexicana Embratel e a espanhola Telefônica na área de transmissão de dados, por exemplo.
Para dar aval ao negócio, Lula insistiu em criar um mecanismo que permita aos fundos de pensão de empresas públicas e ao BNDES ter poder de decisão no processo de governança da nova empresa. O Planalto disse ter convencido o presidente da Previ, Sérgio Rosa, a apoiar a negociação. A Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, tem participação relevante na Oi e na BrT.


Texto Anterior: Mercado Aberto
Próximo Texto: Márcio Holland: A crise e a hipótese indefensável
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.