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MÁRCIO HOLLAND
A crise e a hipótese indefensável
Não é razoável que um
"barquinho" como o Brasil
seja capaz de navegar contra
os ventos fortes do Norte
EM MEIO às recentes turbulências financeiras enfrentadas
pelas economias mundiais,
um dos pontos mais discutidos entre economistas diz respeito a quanto os países emergentes estão descolados de uma provável recessão nos
Estados Unidos.
De um lado, a maior economia do
mundo enfrenta sérios problemas
de confiança de investidores e de
consumidores; de outro, a crise
atual é de intensidade mais incerta e
mais complexa do que os estouros
de bolhas em mercados acionários.
A maior economia do mundo produz 28% da produção mundial, importa mais de US$ 2 trilhões de outras economias, gerando déficit comercial com o mundo superior a
US$ 750 bilhões. Muitos vêem a
China como uma possível nova âncora mundial, mas vale destacar que
os EUA, sozinhos, são responsáveis
por mais de 30% das exportações
chinesas. Mesmo crescendo em média 9% ao ano nos últimos 30 anos, a
economia chinesa ainda não chega a
18% do tamanho da dos EUA.
Os EUA compram muito, e muito
mais do que vendem, de quase tudo
e de quase todos. O maior comprador do mundo é o maior devedor do
mundo. Atualmente, acumula déficits em transações correntes e déficits fiscais, mesmo que esses últimos tenham sido atenuados nos últimos anos. Famílias e governo gastam muito, comprando o que produzem e o que não produzem. Vivem
assim, além de seus meios, com baixas taxas reais de juros e com amplo
mercado de crédito; se financiam
por terem os mais profundos e sólidos mercados financeiros, depositários das reservas acumuladas pelas
economias que poupam, as economias emergentes. Esse arranjo tem
sido rotulado como Bretton Woods
2. Ao longo dos últimos anos, generalizou-se a idéia de que esse seria
um mundo eterno.
Não só se acreditava na idéia de
que as finanças globais estavam em
equilíbrio, com os desequilíbrios comerciais e fiscais norte-americanos
sendo compensados pelo desespero
das economias emergentes em acumular reservas cambiais, como agora acreditam que a recessão nos
EUA poderia afetar muito pouco o
resto do mundo. Essas são duas hipóteses hoje indefensáveis, desmascaradas pelos fatos atuais. Bretton
Woods 2 não existe porque não há
"concertação" global, mas, sim, de
um lado, demanda por capitais nos
mercados emergentes para construir colchão de liquidez em clima
de após crises cambiais, e, de outro,
necessidades dos EUA de financiarem políticas fiscais irresponsáveis.
Sobre a hipótese do descolamento, o gráfico nesta página fala por si.
O co-movimento nas taxas trimestrais de crescimento real das economias na zona do euro, nos EUA e em
um emergente como o Brasil é algo
que dispensa sofisticações estatísticas e econométricas. Estamos todos
em um mesmo oceano revolto e não
é razoável que um "barquinho" como o Brasil, do tamanho de 1% do
comércio mundial, seja capaz de navegar contra os ventos fortes vindos
do Norte; mesmo o bom barco europeu parece que se avaria nas turbulências globais. Pode-se defender a
hipótese de que estamos melhores
agora, mas não se pode afirmar que
não seremos severamente afetados
no médio prazo, em caso de uma recessão acometer os EUA.
MÁRCIO HOLLAND, 43, é pós-doutor em economia pela
Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da Escola
de Economia de São Paulo (FGV-EESP) e pesquisador do
CNPq.
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