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ARTIGO
O equívoco do plano
Unidos, George W. Bush, durante discurso em White Sulphur Springs, na Virgínia Ocidental
PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"
OS DEPUTADOS democratas e a Casa Branca
chegaram a um acordo
sobre um plano de estímulo
econômico.
Infelizmente, o plano -que
essencialmente consiste em
nada mais que cortes de impostos e dá a maior parte desses
cortes para pessoas em situação financeira bastante boa-
parece defeituoso.
Especificamente, os democratas parecem ter recuado
diante da rigidez ideológica do
governo Bush, abandonando as
exigências de medidas que teriam ajudado os mais necessitados. E seriam essas mesmas
medidas que poderiam realmente ter tornado eficaz o plano de estímulo.
São palavras duras, por isso
deixem-me explicar o que está
acontecendo.
Além dos descontos fiscais
para empresas -que são uma
história triste, para outra coluna -, o plano dá a cada trabalhador que ganhe menos de
US$ 75 mil por ano um cheque
de US$ 300, mais quantias adicionais para pessoas que ganham o suficiente para pagar
valores substanciais de imposto de renda.
Isso garante que o grosso do
dinheiro vá para pessoas que
estão bem financeiramente -o
que é um grande equívoco.
O objetivo de um plano de estímulo seria sustentar os gastos
gerais, de modo a evitar ou limitar a profundidade de uma recessão. Se o dinheiro que o governo distribui não for gasto
-se for apenas depositado nas
contas bancárias das pessoas
ou usado para pagar dívidas-, o
plano falhará.
E mandar cheques para pessoas em boa situação financeira
faz pouco ou nada para aumentar os gastos gerais. As pessoas
que têm boa renda, bom crédito
e emprego seguro tomam decisões de gastos com base em seu
poder aquisitivo em longo prazo, e não no tamanho do último
contracheque. Se você der alguns dólares a mais para essas
pessoas, elas apenas os colocarão no banco.
Na verdade, isso parece ser o
que aconteceu principalmente
com as reduções fiscais que os
norte-americanos afluentes receberam na última recessão,
em 2001.
Por outro lado, o dinheiro
distribuído a pessoas que não
têm boa situação financeira
-que estão com pouco dinheiro e vivem do salário mensal-
presta um duplo serviço: alivia
as dificuldades e também estimula os gastos de consumo.
É por isso que muitas das
propostas de estímulo que ouvíamos até alguns dias atrás se
concentravam na expansão de
programas que ajudam especificamente as pessoas em dificuldades, especialmente o seguro-desemprego e o auxílio-alimentação. E foram essas as
idéias de estímulo que receberam as notas mais altas em uma
recente análise do Escritório de
Orçamento do Congresso,
apartidário.
Também se falou entre os democratas em fornecer ajuda
temporária aos governos estaduais e locais, cujas finanças estão sendo massacradas pelo enfraquecimento da economia.
Como a ajuda para os desempregados, isso teria prestado
um duplo serviço, evitando as
dificuldades econômicas e os
cortes de gastos que poderão
piorar a tendência de declínio.
Mas o governo Bush aparentemente conseguiu matar todas essas idéias, em favor de um
plano que dá dinheiro principalmente para os que têm menor probabilidade de gastá-lo.
Por que o governo desejaria
fazer isso? Não tem nada a ver
com eficiência econômica: nenhuma teoria econômica ou
evidência que eu conheça diz
que famílias de alta classe média tenham maior probabilidade de gastar cheques de devolução de imposto do que os pobres e desempregados.
Pelo contrário, o que parece
estar acontecendo é que o governo de George W. Bush se recusa a assinar qualquer coisa
que não possa ser chamada de
"redução fiscal".
Por trás dessa recusa, por sua
vez, está o compromisso do governo de cortar as alíquotas de
impostos dos ricos enquanto
bloqueia a ajuda para famílias
em dificuldades -um compromisso que exige manter a mentira de que os gastos do governo
são sempre ruins.
E o resultado é um plano que
não apenas deixa de ajudar onde há mais necessidade, como
provavelmente falhará como
medida econômica.
Lembro as palavras do presidente Franklin Delano Roosevelt: "Sempre soubemos que o
interesse próprio desconsiderado era moralmente ruim;
agora sabemos que é economicamente ruim".
E o pior de tudo é que os democratas, que deveriam estar
em uma posição forte -este governo ainda tem alguma credibilidade em política econômica?-, parecem ter cedido quase
completamente.
Sim, os democratas obtiveram algumas concessões, aumentando os descontos para
pessoas de baixa renda, enquanto reduziam os brindes
para os afluentes. Mas basicamente permitiram que os forçassem a fazer as coisas do jeito
do governo Bush.
E isso poderá ser uma coisa
muito ruim.
Não sabemos com certeza
quão profunda será esta próxima recessão, ou mesmo se
preencherá a definição técnica
de uma recessão. Mas existe
uma probabilidade real de que
não apenas será um grande declínio, como que a reação habitual à recessão -cortes das taxas de juros pelo Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos)- não bastará para
reerguer a economia.
E, se isso acontecer, lamentaremos profundamente o fato de
que o governo de George W.
Bush insistiu, e os democratas
aceitaram, um chamado plano
de estímulo que simplesmente
não vai funcionar.
PAUL KRUGMAN, economista, é colunista do
"New York Times" e professor na Universidade
Princeton (EUA).
Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES
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