São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Nacionalismo necessário


A nomeação, para o FMI, de Paulo Nogueira Batista Jr. é sinal da insatisfação em relação à política econômica


A ESCOLHA de Paulo Nogueira Batista Jr. para ser o diretor pelo Brasil do FMI (Fundo Monetário Internacional) é uma boa notícia. É um excelente economista internacional e tem sido um crítico severo da política monetária brasileira, que, ao manter o país preso a uma armadilha de alta taxa de juros e taxa de câmbio não-competitiva, leva a uma duradoura quase estagnação.
Sua indicação é sinal da insatisfação dentro do governo, inclusive do presidente Lula, em relação aos resultados da política econômica. Essa insatisfação foi demonstrada na nomeação de Guido Mantega para o Ministério da Fazenda e confirmou-se com a nomeação de Julio César Gomes de Almeida para a Secretaria de Política Econômica. Mas enquanto o Banco Central, em conjunto com o ministro da Fazenda e o presidente da República, continuar a não colocar como seu projeto estratégico a baixa da taxa de juros e a elevação da taxa de câmbio para um nível competitivo, o país crescerá a taxas que o deixam para trás no cenário internacional.
Paulo Nogueira Batista Jr. não terá vida fácil em Washington, porque o FMI e o Banco Mundial continuam a ser os instrumentos dos países ricos para neutralizar a capacidade competitiva dos países de renda média, como o Brasil. E as práticas nesse sentido continuam essencialmente as mesmas: ignorar a doença holandesa que aprecia o câmbio e inviabiliza setores comercializáveis com alto conteúdo tecnológico, propor o crescimento com poupança externa, que também aprecia o câmbio, e apoiar políticas de juros altos -tudo em nome do combate à inflação, mas servindo para diminuir a vantagem da mão-de-obra barata. Esse objetivo não é consciente, mas a condição de império não é uma questão de vontade: é a condição do mais forte em relação ao mais fraco.
Não é surpreendente, portanto, que os países de renda média que adotam seus preceitos se mantenham quase estagnados, enquanto aqueles que adotam políticas independentes mas responsáveis -que mantêm o equilíbrio fiscal ao mesmo tempo em que administram sua taxa de câmbio para neutralizar a doença holandesa, rejeitam a política de crescimento com poupança externa e buscam sistematicamente taxas de juros moderadas- são os países que crescem.
Paulo, como este seu amigo mais velho, e como seu falecido pai, um grande diplomata, é um nacionalista. Acredita que a globalização é a competição generalizada entre os Estados-nação. E que é dever do governo defender o trabalho, o conhecimento e o capital nacionais.
Provavelmente como eu, ele preferiria não precisar se autodenominar nacionalista, como acontece com os cidadãos dos países ricos, porque neles todos são nacionalistas, todos aceitam a breve definição de nacionalismo que sugeri acima. Deixando de ser uma palavra diferenciadora, ela pode ser abandonada ou usada apenas para efeitos pejorativos, para designar grupos políticos radicais. O Brasil, entretanto, é um país dependente no qual muita gente supõe que os países ricos sabem o que é melhor para nós. Aqueles que não pensam assim, portanto, não têm alternativa senão afirmar seu nacionalismo -um nacionalismo liberal, social e democrático, um nacionalismo necessário. Washington está repleto de nacionalistas, representando os Estados Unidos, os outros países ricos e os países de renda média não-dependentes, como a China, a Índia, a Indonésia, a Malásia e a Tailândia, como o Chile nos anos 90 e, agora, como os representantes da Argentina. Sem falar em nacionalismo, eles representam os interesses dos seus países na grande competição global.
Só os representantes dos países dependentes, como o Brasil e o México, não estão lá nessa qualidade, mas como subordinados. Quando o Brasil está na OMC, negociando questões comerciais, seus representantes são aguerridos, nacionalistas, mas em Washington, onde se trata de finanças internacionais, são cordeiros, perfeitamente afinados com a ortodoxia convencional. A nomeação de Nogueira Batista Jr. é um sinal de que o Brasil quer mudar.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 72, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60". Internet: www.bresserpereira.org.br

lcbresser@uol.com.br


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