São Paulo, sexta-feira, 26 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Ainda há motivos para ânimo na Europa

DAVID MARSH
PARA O "FINANCIAL TIMES"

Há muito pessimismo sobre a Europa desde que começou a crise da dívida grega. Isso desviou a atenção de algumas boas notícias sobre a economia europeia. As nuvens que pairam sobre a Grécia vêm obscurecendo desdobramentos positivos que favorecem os mercados financeiros europeus.
1) O euro vem caindo rapidamente diante do dólar devido à preocupação quanto à dívida grega -o que estimula muito as empresas voltadas à exportação em toda a Europa. A queda do euro diante do yuan e de outras moedas asiáticas ancoradas ao dólar também teve efeito colateral positivo, ajudando indiretamente na campanha do Congresso americano pela valorização da moeda chinesa.
2) A zona do euro está por fim enfrentando uma crise -depois de dez anos de espera. Isso é exatamente o que faltava para galvanizar os líderes dos governos em países como a Grécia e levá-los a corrigir deficiências desastrosas em suas políticas. A Europa sempre reage melhor sob dificuldades.
3) A Alemanha basicamente controla a Europa. Outros países podem não gostar disso, mas é o fato que embasa a futura solidez do euro e reduz o risco de que o fiasco grego se transforme em catástrofe. No entanto, Berlim precisa dedicar mais atenção às suas técnicas de divulgação de políticas. A incapacidade do governo alemão de consultar o Bundesbank (BC alemão) quanto às suas recentes recomendações para a criação de um "Fundo Monetário Europeu" parece preocupante.
4) As economias emergentes que são grandes compradoras de bens de capital europeus estão se recuperando mais rápido que o esperado. Isso é boa notícia para os líderes setoriais no coração industrial da Europa. Com o tempo, a Ásia e outras regiões em desenvolvimento passarão a praticar consumo interno muito mais intenso. Haverá menos capital nos mercados orientais, mas empresas europeias terão um ótimo dia.
5) É altamente improvável que o BCE (Banco Central Europeu) eleve as taxas de juros no futuro próximo. Uma continuação da política de dinheiro fácil será positiva para os mercados de ações do continente.
6) A sensação de calamidade iminente que cerca a Grécia serviu como lembrete útil dos riscos de políticas perdulárias como as de Atenas, para outros governos europeus. Isso deve resultar em pressão de baixa sobre os salários e gastos públicos em toda a Europa.
7) Houve certos sinais de retomada do consumo na Alemanha -na Europa, uma versão reduzida da China-, com excedentes de poupança, grande superavit em conta corrente, população envelhecida e demanda doméstica inadequada. Isso pode prenunciar uma economia europeia mais equilibrada.
8) As disputas entre a Alemanha e a França para decidir quem domina as políticas europeias podem se tornar menos frequentes. A França está satisfeita por o governo alemão ter dado a entender que pode ajudar a financiar resgate à Grécia.
A Alemanha está satisfeita por a França apoiar rigor fiscal e monetário em estilo alemão. O consenso pode se provar ilusório, mas, por enquanto, serve bem a quase todos.
9) A crescente disparidade em crescimento econômico entre a Europa e a Ásia começa a causar impressão na consciência pública do Velho Continente. Agora, existe consciência muito mais forte de que a Europa precisa de uma estratégia decisiva em áreas como a pesquisa e desenvolvimento, bem como a educação. Empresas europeias fortes em termos científico-tecnológicos podem esperar ambiente político benévolo nos próximos anos.
10) Parece provável que a Alemanha no ano que vem conquiste a presidência do Banco Central Europeu para Axel Weber, no momento o presidente de seu banco central, o Bundesbank. Com um alemão no comando do BCE por um mandato de oito anos, Berlim se manterá como membro dedicado da união monetária até pelo menos 2019 -o que propiciaria à Europa dez anos de disciplina ao modo do Bundesbank, algo de que investidores e consumidores da região certamente se beneficiariam.

DAVID MARSH é consultor sênior da administradora de fundos Soditic-CBIP e copresidente do Fórum de Instituições Monetárias e Financeiras Oficiais.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



Texto Anterior: UE anuncia socorro à Grécia e inclui FMI
Próximo Texto: Juan Quirós: Amigos, amigos, negócios à parte!
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.