São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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FINANÇAS

Dificuldade do governo em financiar dívida e aposta errada do mercado afetam mercado futuro e fundos de investimento

Barbeiragem no mercado custou até R$ 7 bi

DA REPORTAGEM LOCAL

Apostas erradas de bancos e fundos de investimento combinadas a falhas na atuação do Banco Central eclodiram na semana passada, causando perdas bilionárias no mercado financeiro. As estimativas apontam para prejuízos de US$ 1,7 bilhão só no mercado futuro do chamado cupom cambial. Mas, segundo analistas, considerando perdas em outros segmentos, o valor encosta em US$ 3 bilhões (cerca de R$ 7 bilhões).
As maiores perdas, até agora, foram amargadas por tesourarias dos bancos e cotistas dos fundos de investimento, de acordo com estimativas feitas pela consultoria Future Analysis a pedido da Folha. O baque sofrido estourou na semana passada no mercado futuro em negócios com o cupom cambial, que é uma projeção da taxa de juros descontada a expectativa de desvalorização cambial.
Mas, segundo analistas, a origem dos problemas que explodiram na semana está, na verdade, num passo tomado pelo Banco Central em setembro de 2001, quando a crise argentina e os atentados terroristas nos Estados Unidos provocaram pânico no Brasil. Para acalmar o mercado, que queria se proteger de perdas com uma possível alta do dólar, o BC aumentou a venda de títulos públicos indexados à moeda norte-americana, as chamadas NTN-s cambiais.
Apesar da oferta maciça desses papéis pelo BC, o mercado também procurou proteção nos contratos de cupom cambial, cujas taxas acabaram caindo devido à grande demanda.
De acordo com um analista, a demanda pelo cupom era muito maior do que a oferta e, com isso, as suas taxas caíram, deixando de refletir o alto risco-país.
A partir de dezembro do ano passado, o BC começou a sofrer os efeitos da oferta excessiva de papéis cambiais que fizera. O mercado passou a cobrar taxas punitivas para comprar novos papéis indexados ao dólar e, com isso, rolar a dívida cambial.
Sem condições de apenas resgatar tais papéis na data do vencimento, devido à sua alta necessidade de financiamento, o governo decidiu mudar sua estratégia no mercado, em janeiro deste ano. O BC passou a fazer os chamados leilões "casados" de papéis corrigidos por juros pós-fixados, as chamadas LFTs, com operações de "swap" de cupom cambial.
Foi a solução encontrada para, ao mesmo tempo, continuar suprindo a demanda do mercado por proteção cambial -com os "swaps" de cupom- e reduzir seus custos de financiamento.
Os custos da dívida de fato caíram num primeiro momento, uma vez que as taxas do "swap" no mercado eram mais baixas do que as que o governo vinha pagando, até então, para emitir novos títulos cambiais.
No entanto, os bancos -principais credores da dívida pública- tinham mais interesse nos "swaps", por causa da proteção cambial que oferecem, do que nas LFTs. Começaram, então, a querer se desfazer desses papéis no mercado. Com o aumento da oferta de venda das LFTs, seus valores caíram no mercado, o que acabou prejudicando os fundos DIs. E isso acabou levando o BC a descartar também as vendas "casadas" e a passar a leiloar os "swaps" só de cupom cambial, sem LFTs.
Tudo isso acabou provocando desequilíbrios no mercado, que foram expostos e estouraram em grandes perdas nos últimos dias, agravados pela recente alta do risco-país e do dólar e por ajustes feitos nas carteiras de fundos de investimento (leia mais na pág. B3).
Os contratos de cupom cambial refletem as apostas dos investidores para a taxa de juros e câmbio. Assim, o investidor que acredita em queda dos juros e desvalorização do dólar, por exemplo, vende esses contratos na BM&F. Se as taxas acabam subindo no futuro, esse investidor perde dinheiro porque estará recebendo um valor menor, acertado previamente, do que o que esses contratos passam a valer de fato.
Foi o que ocorreu nos últimos dias, quando, pressionado, o cupom cambial disparou e as taxas de juros de seus contratos chegaram a dobrar, ocasionando grandes perdas para aqueles investidores que apostaram na queda das taxas. Segundo o diretor de um banco, a grande correção nos preços do cupom ocorreu em consequência do aumento da oferta dos contratos de swap pelo BC. A demanda reprimida que havia mantido as taxas do cupom cambial baixas no ano passado foi atendida com os leilões. Isso abriu caminho para que o valor desses contratos subissem, passando a acompanhar o risco-país.
(ANA PAULA RAGAZZI, ÉRICA FRAGA, ISABEL CAMPOS e SANDRA BALBI)


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