São Paulo, quinta-feira, 26 de junho de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Recordar é viver


Há críticas ao "atraso" e ao "excesso de tranqüilidade do BC" ao reagir a inflação, mas mercados foram mais lerdos

O CHEIRO de queimado difundido pela prévia do IPCA e o tom até tranqüilo do Relatório de Inflação, divulgados ontem, suscitaram alguma irritação nos povos do mercado. O IPCA-15 sugere que, mantida a presente balada, a inflação "oficial", o IPCA do mês "cheio", deve fechar o ano por volta de 6,5%, o teto da meta. Ou mais.
Na prática, nas taxas básicas de juros de mercado, a reação não chegou a ser estridente -o DI para janeiro de 2010 subiu um pouco, para 14,8% ao ano, embora já tenha flutuado em torno de 14,9%. É também nessas taxas de juros que o mercado projeta suas opiniões "reais" a respeito do custo do dinheiro e de qual será o piso da íngreme escada dos juros dos negócios "reais". As taxas continuam horríveis, de qualquer modo, embora tenham parado de projetar uma deterioração adicional do cenário para inflação/juros -por ora.
Mas vários participantes do mercado reclamavam ontem que o BC reagiu tardiamente à inflação e, pior ainda, estaria ficando atrasado de novo, dada a piora nos indicadores recentes de inflação. Pode ser, pode não ser, mas, antes de lapidar o BC (lapidar no sentido de atirar pedras), seria bom lapidar os instrumentos de previsão e análise, entre eles as famosas expectativas de inflação.
Ninguém com alguma substância neurológica entre as orelhas decerto acredita que as expectativas de mercado sejam previsões pontuais de inflação futura. Ainda assim, recordar é viver. Pouco antes de o Banco Central dar implicitamente como encerrado o ciclo de corte de juros, em setembro, as melhores medidas de expectativas de inflação para 2008 flutuavam em torno de 4%.
Mais importante, reagiam de modo lento e disperso a ruídos inflacionários. Até março havia marcadas divisões até sobre a necessidade de um aperto de juros, e ainda mais sobre o tamanho do arrocho.
Considere-se ainda o caso das equipes econômicas de grandes bancos -nenhuma das que serão citadas a seguir têm detonado o BC, ao menos para esta Folha. Ressalte-se ainda que há uma grande diferença entre operadores de mercado e economistas da pesquisa. Isto posto, até março, pelo menos, havia economista de banco a acreditar em queda de juros lá pelo final do ano.
Entre os economistas mais pessimistas à respeito da inflação, estavam os do Real/Santander e os do Morgan Stanley. Os do JPMorgan e alguns do Unibanco eram mais "neutros", digamos. Os do Itaú, os do Bradesco e os do Credit Suisse eram mais otimistas. No Real/Santander, no Unibanco e no Itaú, há ex-diretores recentes do BC. Difícil acusar os economistas de todos esses bancos de lassidão monetária.
Em alguma medida, porém, todo mundo foi surpreendido pela intensidade da alta de preços a partir de fevereiro (notada em março, abril) .
Embora todo mundo reconheça que o caldo entornou, e muito, o pessoal de grandes bancos não parece muito agitado -há mesmo declarações animadas sobre a maior efetividade da política monetária neste ciclo de alta de juros. Pode ser. Mas o fato é que todo mundo foi pego de calças curtas, que ninguém sabe como os dissídios vão reagir à alta de preços e, pior ainda, ninguém sabe nada sobre o destino da política monetária lá fora e dos preços internacionais.

vinit@uol.com.br


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