São Paulo, Sábado, 26 de Junho de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA
Para entender a alta da gasolina e do dólar

ALOYSIO BIONDI

Para quem ficou surpreso com a alta da gasolina e de outros combustíveis, bem como com as novas altas do dólar, ou queda do real, vale a pena mastigar alguns dados:
Petróleo em queda - Nos últimos dois anos, os preços do petróleo no mercado mundial sofreram um recuo brutal, caindo de US$ 20 para até US$ 10 o barril (em janeiro deste ano).
No Brasil - O governo FHC, porém, decidiu não reduzir os preços da gasolina e de outros combustíveis, para o consumidor brasileiro. Isto é, o governo poderia ter reduzido os preços em até 50%, no ano passado, na mesma proporção da queda do custo do petróleo. Ao manter os preços altos, "confiscou" uma parte da renda dos consumidores, pessoas ou empresas. Com muita habilidade, o governo FHC criou um "confisco invisível", evitando assim a necessidade de aprovação pelo Congresso -e a indignação do consumidor, que não se esqueceu até hoje do "empréstimo compulsório" sobre os combustíveis criado na época do Cruzado e nunca devolvido.
Petrobras, não - Ao cobrar 20 (simplificadamente) por combustíveis que poderiam custar 10, o governo criou uma margem de lucro extra de 100%, ou um "confisco" de 100%, na surdina. Esse lucro extra ficou para a Petrobras, como a imprensa dá a entender? Não. A equipe FHC realizou várias manobras, o que vale a pena entender: acontece que o governo devia uns R$ 8 bilhões à Petrobras, uma dívida acumulada ao longo de anos. Como? Principalmente porque a equipe econômica mandou a Petrobras usar dinheiro dela, Petrobras, para pagar compromissos (subsídios) que o governo tinha com os usineiros de álcool, com a promessa, obviamente, de o Tesouro devolver esse dinheiro à empresa.
Outro confisco - Quando o governo criou o "confisco" de 100%, decidiu que esse dinheiro iria para os cofres dele, governo, mas em seguida seria entregue à Petrobras, todos os meses, como uma espécie de prestação para pagamento da dívida acumulada. Entende-se bem a manobra: o preço extra não virou lucro da Petrobras: virou lucro do Tesouro, que o reservou para pagar uma dívida com a Petrobras.
Mesmo esse esquema, porém, foi cancelado, em outubro do ano passado, poucos meses após ter sido implementado. Nas negociações com o FMI, o governo assumiu o compromisso de abocanhar para ele próprio, governo, o tal "lucro extra", que deixou de ser repassado para a Petrobras. A empresa, para piorar a situação, teve que aceitar o falso pagamento da dívida do Tesouro, aceitando sua quitação com o recebimento de títulos que somente vencem daqui a dez anos...



Confisco e aumento
Ao assinar o acordo com o FMI, o governo FHC comprometeu-se a utilizar o dinheiro do "confisco invisível" para reduzir o célebre rombo do Tesouro, isto é, o dinheiro foi incluído no chamado "ajuste fiscal" na maior surdina -isto é, sem a necessidade de discussões no Congresso e sem repercussões negativas na opinião pública. Tudo muito hábil. Ou com muita esperteza.
Previsível - Mas o acordo com o FMI previu, também, que qualquer receita prevista para fechar o "rombo" tem de ser atingida, isto é, se qualquer imprevisto impedir que aquela meta seja alcançada, o governo deve tomar providências para compensar a diferença. No caso do "confisco invisível", a arrecadação até superou as previsões nos primeiros meses do ano, porque os preços do petróleo continuavam a cair, aumentando o lucro extra "confiscado" pelo governo, que continuou negando reduções nos preços dos combustíveis.
Foi esse "confisco", que rendeu até R$ 700 milhões por mês, sem que o consumidor se apercebesse, que permitiu ao governo cumprir metas de redução do "rombo". Mas, como esta coluna apontou na época, mais cedo ou mais tarde a manobra silenciosa precisaria ser abandonada -e os preços dos combustíveis precisariam ser aumentados. Por quê?
Já a partir de fevereiro/março os países produtores de petróleo resolveram fazer um acordo para reduzir a produção e obter uma recuperação nos preços internacionais. O petróleo entrou em alta, passou para US$ 14, US$ 16 e até US$ 18 o barril, isto é, o "confisco invisível" desapareceu. Sem esse dinheiro, o governo foi forçado a aumentar os preços dos combustíveis, dentro das exigências do acordo com o FMI. E deverá fazer outros aumentos, já que a alta dos preços do petróleo chegou aos 60%, 80%.
Moral da história: o episódio mostra como a equipe FHC age. Um confisco de renda do consumidor na surdina. Um confisco de lucro da Petrobras na surdina. Novo calote na empresa, na surdina, ao mesmo tempo em que se faz a opinião pública acreditar que a Petrobras lucra com os preços altos. Dívidas bilionárias com a Petrobras, que a impedem de investir, abrindo-se caminho com novas mentiras para a "necessidade de investimentos das multinacionais para produzir petróleo". Falseamento da verdade, com explicações mentirosas sobre o reajuste dos combustíveis, atribuindo-o à desvalorização do real.
Coroando tudo isso, as mentiras do sr. David Zylbersztajn, que ao longo dos últimos meses continuou dizendo que os preços internacionais do petróleo estavam em queda e por isso era preciso entregar os riquíssimos campos brasileiros de petróleo, a preço de banana, às multinacionais. Realmente, tudo com muita esperteza. Qualidade que nem sempre pode ser considerada dignificante para um governo e homens públicos.
O real - E a queda do real? Passageira, já que se diz que o Brasil recuperou a "credibilidade internacional"? Isso é balela. Segundo o próprio Banco Central, as empresas brasileiras estão pagando juros de até 16% no mercado internacional. O preço da desconfiança.


Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. Escreve aos sábados no caderno Dinheiro.
E-mail: aloybi@homeshopping.com.br



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