São Paulo, domingo, 26 de julho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

O público e o privado na crise


Na crise aguda, os donos de riqueza reverenciam o caráter "social" de sua atividade privada

NA "TEORIA GERAL" , Keynes tratou do caráter instável do investimento privado, concebido por ele como uma vitória do espírito empreendedor sobre o medo decorrente da "incerteza e da ignorância quanto ao futuro". É a tensão entre as expectativas a respeito da evolução dos rendimentos do novo capital produtivo e o sentimento de segurança proporcionado pelo dinheiro que vão determinar, em cada momento, o desempenho das economias de mercado. O destino da sociedade é decidido na alma dos possuidores de riqueza, onde se trava a batalha entre os espíritos animais, as forças de criação de nova riqueza e o exército comandado pelo "amor ao dinheiro".
Em sua forma aguda, a crise impõe o colapso do investimento e do consumo. Nesse momento, todos -empresas e consumidores- entregam-se à busca desesperada da redução das despesas, ou seja, dedicam-se a cortar a renda dos vizinhos. Estes, por sua, vez devolvem a mesquinharia para os que iniciaram a brincadeira. É o "paradoxo da poupança".
A desconfiança se generaliza entre os protagonistas do que Hayek chamava o processo de mercado. Isso faz recair sobre uma instituição social, o dinheiro, a esperança (ou a ilusão) de preservação do valor da riqueza privada. Os espíritos animais buscam refúgio na única forma do enriquecimento que imaginam não estar sujeita à contestação dos demais. Todos querem e todos perdem. Na crise aguda, os possuidores de riqueza reverenciam o caráter "social" de sua atividade privada.
Assim, a sobrevivência dos nexos mercantis, aqueles que solidarizam os indivíduos livres mediante o intercâmbio de valores -mercadorias, ativos e títulos representativos das relações débito-crédito- passa a depender diretamente do Estado e de seus dinheiros. A geração de déficits e a criação de nova dívida pública constroem as condições para reanimar o movimento da riqueza dos particulares, ao sustentar os lucros das empresas e ao preservar o valor dos portfólios privados.
Mas, se o desequilíbrio fiscal e o crescimento do débito público na composição dos patrimônios privados tornarem-se fenômenos profundos e duradouros, a desconfiança dos possuidores de riqueza se desloca da finança privada para a situação financeira do Estado. A eficácia dos instrumentos de gasto e de endividamento do Estado está condicionada à preservação do poder privado de acumular riqueza social.
Assim, a recuperação da confiança na finança privada vai permitir que os controladores do crédito readquiram força e legitimidade para avaliar os rumos da política fiscal e de endividamento público. Neste momento, por exemplo, os senhores da finança -salvos pela vigorosa intervenção do Estado- já consideram insustentáveis a trajetória do déficit fiscal e da dívida do governo norte-americano.
Com isso, eleva-se o prêmio exigido para se desprender da liquidez e restringem-se os mercados para contratos de prazos mais longos, comprometendo a própria capacidade do Estado de emitir dívida nova e de administrar o estoque de endividamento existente.

LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 66, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).



Texto Anterior: CPI reforça papel da Petrobras no pré-sal
Próximo Texto: Pequenas empresas usam o Twitter para se comunicar
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.