São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os presidenciáveis e a reforma agrária

RUBENS TELLECHEA CLAUSELL

O primeiro debate dos presidenciáveis evidenciou descaso em relação a muitos problemas nacionais, em especial ao da agricultura. Nenhum deles mencionou o indispensável reestudo da reforma agrária, bem-intencionada em sua proposta básica, mas, salvo exceções regionais, pessimamente conduzida em seus aspectos técnicos, de assistência e de produtividade. Sem dúvida, muitos dos técnicos que operam em seu programa não têm o afastamento de perspectiva que permita o exame em conjunto nem percebem o erro do qual participam. Trabalham por entusiasmo profissional, sem notarem seu sentido apenas político e de baixo rendimento.
O Brasil, sem comprometer a Amazônia, a mata atlântica, as águas de superfície e as regiões montanhosas, além de outros limitantes, pode destinar 90 milhões de hectares de terras ainda disponíveis e adequadas à reforma agrária. Esses novos assentados, com orientação técnica permanente, teriam capacidade não só de alimentar mas de dar condições dignas de vida a 30 milhões de brasileiros, que hoje estão na miséria.
No módulo mais econômico e produtivo, poderíamos assentar anualmente de 200 a 300 famílias, com as instalações necessárias à vida digna e produtiva, alimentando-as e gerando excedentes agropecuários para o suprimento das populações urbanas.
A atual reforma agrária, que se vem realizando, em grande parte, apenas com simples entregas de "pedaços de terra", fraciona e perturba áreas produtivas sem tomar dimensões econômicas. Deixa de formar estrutura auto-suportável, social, técnica, sanitária e educacional. Parece não ter contado com planejamento técnico.
As unidades da nova reforma agrária estabelecem em conjunto a exigida "reserva ecológica". Constituídas em "agrovilas", permitem que as residências recebam coletivamente suprimento de energia elétrica, instalações sanitárias, suprimento de água potável, assistência à saúde e instrução primária computadorizada, além de local para reuniões sociais e religiosas. Para a produção animal, seriam construídos abrigos, bem como galpões para máquinas agrícolas e garagem para os veículos e para a armazenagem da produção, locais para reuniões, administração, assistência técnica, comunicação e segurança coletiva.
Conjuntos de "agrovilas" da região poderão constituir parcerias ou cooperativas para industrializarem produtos das diversas unidades, recebendo a produção de grãos, leite, carnes, frutas, fibras -para seleção, embalagem ou produção de conservas, agregando valor aos alimentos, a serem vendidos às populações urbanas. Constituiriam unidades produtivas na exploração cooperativa das terras e na produção vegetal e animal. Por falta de informações, os candidatos a cargos eletivos não abordam a possibilidade de produzir os combustíveis -álcool e "agrodiesel"- para nossos automóveis e caminhões, propiciando ao Brasil deixar de importar petróleo e de despender em moeda estrangeira.
Poucos têm abordado o saneamento de nossas cidades e o aproveitamento energético do lixo, evitando a contaminação das águas de superfície e grande reserva no lençol freático.
Não se mencionou a falta de recursos para as Forças Armadas, que ocasionou uma redução no alistamento anual, hoje ainda insuficiente ao atendimento de nosso grande território. Tem-se mencionado a possibilidade de treinamento específico de corpos diferenciados do Exército, da Marinha e da Aviação, aplicando o tempo restante da formação militar em empreendimentos necessários e ainda na formação de mão-de-obra especializada. Resultariam profissionais disciplinados, de grande relevância em nosso progresso, que cooperariam com a reforma agrária e com a formação de nossa estrutura social e tecnológica. Teriam destaque na modernização e na extensão de nossas ferrovias, hidrovias, rodovias e na distribuição de nosso sistema energético. Poderiam operar na reestruturação dos minifúndios improdutivos, na irrigação do Nordeste e na orientação de habitações populares, com coletores e armazenamento de água. Mas também no treinamento de operadores para o equipamento mecânico, na aviação agrícola e sanitária e no reflorestamento, indispensável à preservação do ambiente nos campos e nas cidades.
Não deveriam ter sido reduzidas as dotações de nossas unidades do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Ao contrário, deveriam ter crescido, pois trariam grande contribuição para a formação de quadros técnicos, operadores da moderna agricultura, e levantamento e medição de áreas devolutas. No passado, o Corpo de Engenharia do Exército desenvolveu ferrovias e rodovias e levou a regiões distantes o exemplo de seu trabalho pacífico, sem prejuízo de sua formação militar.
Ficaram para os próximos debates muitas matérias que nos permitirão tomar com mais fundamento nossa decisão votante.


Rubens Tellechea Clausell é engenheiro agrônomo.
E-mail - clausell@hotmail.com


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