São Paulo, sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARCOS LISBOA

A desqualificação como fuga do debate


O encontro com a esquerda intolerante e preconceituosa é penosa como a dor da perda do objeto do nosso afeto

HÁ ALGUNS mitos da inocência da infância que, por tão entranhados na nossa formação, resistimos para além do razoável em vê-los desfeitos, e cada violação da crença gera um incômodo para além do razoável. Formei-me acreditando na identidade entre esquerda, liberdade e justiça.
Acredito que a maior conquista do espírito democrático é defender o direito a expressão daqueles de quem discordamos. Tendo crescido sob o golpe militar, tenho horror visceral ao autoritarismo, à restrição à liberdade e à intolerância.
Um traço do autoritarismo e da intolerância é definir a priori aqueles que têm o direito à opinião e à análise dos seus argumentos. Ao contrário, acredito que todo argumento deve ser analisado pelos seus méritos, ou defeitos, intrínsecos, devendo-se jamais afastar uma conclusão simplesmente por preconceito contra seu autor.
Idealmente, os argumentos devem ser eliminados da identidade de seus autores para que evitemos qualquer influência dos nossos preconceitos. Na boa academia, por exemplo, textos submetidos à publicação têm seus méritos analisados por pesquisadores que não têm acesso aos nomes nem à instituição de origem dos autores.
A falta de liberdade causa-me repulsa apenas semelhante ao preconceito, à desqualificação do outro ou à desqualificação das idéias por algum atributo idiossincrático de seu autor como a origem familiar ou a cor da pele.
O encontro com a esquerda intolerante e preconceituosa é-me, ainda depois de tantos anos, penosa como a dor da perda do objeto do nosso afeto, não obstante as seguidas demonstrações de que parcelas importantes da esquerda apenas defendem o direito a sua liberdade de expressão, não o de quem discordam. Por isso, minha tristeza e indignação com o artigo de João Sicsú publicado nesta Folha, na edição do último sábado. Respondendo a uma crítica de Alexandre Schwartsman, Sicsú não contrapõe argumentos, mas simplesmente desqualifica seu crítico.
Alexandre Schwartsman defenderia superávit primário apenas para atender aos interesses dos seus patrões. Os argumentos de Alexandre Schwartsman não devem nem mesmo ser analisados ou criticados. Devemos desconsiderá-los porque o autor não é de direito. Puro e simples preconceito. Intolerância.
Eu também uso a marca amarela.
Eu também trabalho para um grande banco e acredito que uma política fiscal sustentável é saudável para o Brasil. Não acho que defenda esse argumento porque seja adequado aos interesses dos meus patrões. Nem acho que um superávit primário maior [econonomia que o governo faz para pagar juros] melhore seus negócios para além dos benefícios que geram ao nosso país. Se a intolerância permitir, posso apresentar meus argumentos.
Caso João Sicsú tenha argumentos que me mostrem equivocado, terei prazer em lê-los. Lerei e analisarei quaisquer argumentos que me sejam encaminhados, procurando, com o máximo esforço possível, ignorar a origem de quem o enuncia. Mesmo que seja alguém tão intolerante e preconceituoso como João Sicsú.


MARCOS LISBOA , 43, doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia (EUA), é diretor-executivo no Unibanco. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda de 2003 a 2005 e diretor-presidente do Instituto de Resseguros do Brasil - IRB, de 2005 a 2006. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS.


Texto Anterior: Níquel e câmbio afetam o resultado da Vale no 3º tri
Próximo Texto: Consumo em alta preocupa Banco Central
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.