São Paulo, quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

Mentes degradadas e engradadas


O Masp atrás das grades é um reflexo de burrices piores e recorrentes do mandarinato "socialite-cultural" paulistano

COMO FICARIA o Masp atrás das grades? A direção do recém-assaltado Museu de Arte de São Paulo pretendia cercar o edifício, uma caixa de concreto de mais de 70 metros de comprimento, suspensa por quatro pilares.
Não demoraria muito, mendigos que vivem por ali e fazem do "maior vão livre do mundo" o seu quarto de dormir utilizariam as grades como varal. De sua calçada meio suja e cinzenta, o museu engradado poderia parecer ainda um estacionamento da avenida Paulista, a entrada deserta de um quartel ou de um fórum de justiça, desses feitos com corrupção (mas o prédio do juiz Lalau não tem grades). O Masp ficaria ainda mais integrado à paisagem paulistana.
Grades são reflexos do desespero particularista (mas compreensível) diante da ameaça constante de latrocínio e coisas ainda piores. Mas os prédios mais engradados de São Paulo, que contam até com milícias, são assaltados. Além do mais, as obras dos grandes museus americanos e europeus também são roubadas, marteladas, rasgadas etc. O problema não está bem aí, em prédio. Mas, sim, o edifício e a segurança do Masp são esculhambados.
Para começar com exemplo bem corriqueiro, considere-se o gosto degradado de quem quer cercar o museu. É o mesmo de quem emparedou sobrados burgueses das avenidas Pacaembu, Rebouças e Brasil, alguns até simpáticos, achando que esses caixotes ficariam mais "modernos" ou comerciais. De quem desenha e constrói prédios "mediterrâneos" ou "neoclássicos", como o próprio presidente do Masp, o arquiteto da Daslu, um caixote cheio de penduricalhos "clássicos".
É gente que substituiu o "chá de caridade" por eventos de "responsabilidade social" (mas promoveu a expulsão de pobres do centro para a periferia orbitada por Plutão).
É gente que dá nomes "artísticos" e "culturais" a bancos e nomes de bancos para teatros e cinemas, aliás fazendo marketing com isenção de impostos e promovendo entretenimento de quinta com dinheiro público. Dinheiro para mostrar acervos, evitar seu saque (como também ocorre em bibliotecas e igrejas), financiar bolsas, cadeiras e institutos universitários? Neca, ou quase.
Há museu demais e de menos (por que todo edifício antigo tem de virar museu, aliás?). Muito prédio, sigla, curador, diretor, coquetel e poucas idéias e pouco espaço para os ótimos acervos de Masp, MAC e MAM, que vivem nos porões. Nesse deserto, João Sayad parece que vai arranjar um lugar para o MAC.
Os ricos da primeira metade do século 20 fizeram USP, Masp, MAC, MAM. Óbvio, havia arrivismo, modismo e, inevitável, "socialistismo". Mas o próprio provincianismo da elite paulista deu liga a uma comunhão próxima e circunscrita de ricos, intelectuais e artistas. De tal caldo de cultura (ôps) brotou um pouco de civilização na cidade. A elite de hoje se ocupa mais de fofoca e disputinhas no mandarinato socialite-cultural, de museus à Osesp.
Quantos doam? Quantos o fazem em pessoa, e não pela empresa, por meio da qual se pode reaver o dinheiro com planejamento tributário, isenção fiscal ou repasse para preços? Qual foi a última grande obra cultural da elite paulista? Cadê o apreço pela iniciativa privada?

vinit@uol.com.br


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