|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CUSTO DE VIDA
Pelo menos em SP, preços médios devem cair 2% neste ano; economistas explicam que perceber isso é difícil
Consumidores pouco sentem a deflação
SILVANA QUAGLIO
da Reportagem Local
Entre os vários recordes que a
economia do país coleciona, um
chama especialmente a atenção
neste final de ano. Na média, os
preços terão encolhido algo em
torno de 2% em 98, em São Paulo,
segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). Mas
a população ainda não sentiu no
bolso a redução dos preços.
Tecnicamente, o fenômeno chama-se deflação. Desde 1939 (quando a inflação começou a ser acompanhada em São Paulo), é a primeira vez que a evolução dos preços resulta em índice negativo.
"É natural que isso aconteça", diz
o professor Heron do Carmo,
coordenador do IPC (Índice de
Preços ao Consumidor) da Fipe.
"A vida das pessoas é afetada por
vários fatores: desemprego, histórico de renda e de consumo."
Além disso, é preciso lembrar,
segundo Carmo, que o índice é
uma média. "Enquanto alguns
preços caem, outros sobem", explica. No final, a inflação é percebida de formas diferentes por pessoas diferentes, quase como se
existissem índices pessoais.
"Uma pessoa cuja renda é baixa
certamente não está percebendo
muita diferença, já que neste ano
houve alguns aumentos importantes, como o do feijão", diz o economista e deputado Antonio Kandir
(PSDB-SP).
Funcionária de um laboratório
de análises clínicas, Cláudia do
Nascimento Guedes, de 19 anos, é
uma dessas pessoas. Ela mora com
a mãe e um irmão mais novo, e os
três somam uma renda mensal de
aproximadamente R$ 800. O aluguel da casa custa R$ 250, e a conta
de água, dividida com a casa vizinha onde moram outras quatro
pessoas, consome R$ 115 mensais.
Aluguel e água foram preços que
subiram respectivamente 556,10%
e 90,01%, desde o início do Real
(julho de 94). O aluguel caiu 2,7%
entre novembro de 97 e novembro
de 98. A água subiu 3,34% no mesmo período. Para Cláudia e sua família, a vida continua muito cara.
"Uma pessoa que consome mais
serviços deve sentir mais a redução", afirma Kandir. Os preços dos
serviços, em geral, subiram muito
no início do Real porque para eles
não há concorrência externa. Os
importados ajudaram a derrubar
preços de equivalentes nacionais.
José Carlos Lopes da Silva, de 44
anos, trabalha em banco e tem renda familiar em torno de R$ 4.000.
Pai de duas filhas em idade escolar,
Lopes da Silva diz que não dá para
falar que seus gastos reduziram,
mas também não aumentaram.
"Para mim, empatou. Estamos
gastando menos para comer, mas a
escola das meninas aumentou."
"Nosso índice mostra que há
uma predominância de queda.
Mas é natural que as pessoas não
sintam isso claramente. A deflação
foi conseguida gradualmente. O
que as pessoas estão percebendo é
que estamos em situação de maior
estabilidade", afirma Carmo.
˛
Perigo
Em um país que conviveu com as
taxas de inflação que o Brasil já viu
por tanto tempo, deflação pode
parecer um presente dos deuses.
Mas não é bem assim. Respeitado
internacionalmente, o economista
norte-americano Paul Krugman
afirma que "a deflação é um problema tanto quanto a inflação".
Krugman defende que é melhor
ter uma inflação anual de 2% a 3%
do que um índice zero, que pode
custar muitos empregos.
Para o economista e professor da
FGV (Fundação Getúlio Vargas)
Paulo Nogueira Batista Jr, se a deflação se generaliza é preocupante.
"Na medida em que se consolida
a tendência de declínio de preços,
todos passam a postergar compras
e a demanda cai ainda mais. O
aprofundamento da recessão se
torna inevitável", diz ele.
"Nenhum Banco Central moderno busca a deflação. Nem o governo brasileiro está buscando isso. O
perigo é se esse efeito foge ao controle e se transforma num círculo
vicioso", alerta Nogueira Batista.
Para o professor, o fato de o Brasil
ter um nível de inflação de Primeiro Mundo "já é alguma coisa".
A deflação, segundo Heron do
Carmo, foi provocada pela política
econômica para prevenir a deterioração da economia. "O processo está sob controle", diz. Mas ele
alerta que uma das facetas da deflação é a redução dos salários.
"Esse é um comportamento danoso da deflação", diz Carmo.
"O que se espera é que a recessão
seja curta e que a economia volte a
crescer. Aí a inflação continuará
controlada, mas não com crescimento negativo", observa Carmo.
Embora o IPC da Fipe seja o único índice que aponte deflação
anual, outros mostram inflação
pequena. O IGP-M, da Fundação
Getúlio Vargas, apontou deflação
de 0,32% em novembro. No ano,
deve fechar levemente positivo.
Para Carmo, talvez o IPC aponte
uma tendência de queda mais
acentuada porque a crise é mais
forte em São Paulo. Em Estados
como Rio e Minas, onde houve aumento de ICMS sobre alguns produtos, como cigarros, os preços
subiram e por isso o índice médio
não baixou mais, afirma Carmo.
Talvez por isso a professora Albaci Gomes da Silva, de 42 anos, tenha sentido seu orçamento mais
apertado neste ano. Para ela, não
houve deflação. "Meu salário não
aumentou e o desemprego é uma
coisa que nos assusta", afirmou.
Albaci é mãe de um casal de filhos e mora no interior do Espírito
Santo. Sua renda familiar é de R$
1.500 por mês e o marido virou comerciante depois de perder o emprego de gerente do Bradesco.
A dona de casa Alair Fonseca, 46,
de Manaus, também não percebeu
os preços caírem. Segundo ela, seu
gasto com alimentação praticamente dobrou de janeiro para cá.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|