São Paulo, sábado, 26 de dezembro de 1998

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CUSTO DE VIDA
Pelo menos em SP, preços médios devem cair 2% neste ano; economistas explicam que perceber isso é difícil
Consumidores pouco sentem a deflação

SILVANA QUAGLIO
da Reportagem Local

Entre os vários recordes que a economia do país coleciona, um chama especialmente a atenção neste final de ano. Na média, os preços terão encolhido algo em torno de 2% em 98, em São Paulo, segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). Mas a população ainda não sentiu no bolso a redução dos preços.
Tecnicamente, o fenômeno chama-se deflação. Desde 1939 (quando a inflação começou a ser acompanhada em São Paulo), é a primeira vez que a evolução dos preços resulta em índice negativo.
"É natural que isso aconteça", diz o professor Heron do Carmo, coordenador do IPC (Índice de Preços ao Consumidor) da Fipe. "A vida das pessoas é afetada por vários fatores: desemprego, histórico de renda e de consumo."
Além disso, é preciso lembrar, segundo Carmo, que o índice é uma média. "Enquanto alguns preços caem, outros sobem", explica. No final, a inflação é percebida de formas diferentes por pessoas diferentes, quase como se existissem índices pessoais.
"Uma pessoa cuja renda é baixa certamente não está percebendo muita diferença, já que neste ano houve alguns aumentos importantes, como o do feijão", diz o economista e deputado Antonio Kandir (PSDB-SP).
Funcionária de um laboratório de análises clínicas, Cláudia do Nascimento Guedes, de 19 anos, é uma dessas pessoas. Ela mora com a mãe e um irmão mais novo, e os três somam uma renda mensal de aproximadamente R$ 800. O aluguel da casa custa R$ 250, e a conta de água, dividida com a casa vizinha onde moram outras quatro pessoas, consome R$ 115 mensais.
Aluguel e água foram preços que subiram respectivamente 556,10% e 90,01%, desde o início do Real (julho de 94). O aluguel caiu 2,7% entre novembro de 97 e novembro de 98. A água subiu 3,34% no mesmo período. Para Cláudia e sua família, a vida continua muito cara.
"Uma pessoa que consome mais serviços deve sentir mais a redução", afirma Kandir. Os preços dos serviços, em geral, subiram muito no início do Real porque para eles não há concorrência externa. Os importados ajudaram a derrubar preços de equivalentes nacionais.
José Carlos Lopes da Silva, de 44 anos, trabalha em banco e tem renda familiar em torno de R$ 4.000. Pai de duas filhas em idade escolar, Lopes da Silva diz que não dá para falar que seus gastos reduziram, mas também não aumentaram.
"Para mim, empatou. Estamos gastando menos para comer, mas a escola das meninas aumentou."
"Nosso índice mostra que há uma predominância de queda. Mas é natural que as pessoas não sintam isso claramente. A deflação foi conseguida gradualmente. O que as pessoas estão percebendo é que estamos em situação de maior estabilidade", afirma Carmo.
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Perigo Em um país que conviveu com as taxas de inflação que o Brasil já viu por tanto tempo, deflação pode parecer um presente dos deuses. Mas não é bem assim. Respeitado internacionalmente, o economista norte-americano Paul Krugman afirma que "a deflação é um problema tanto quanto a inflação".
Krugman defende que é melhor ter uma inflação anual de 2% a 3% do que um índice zero, que pode custar muitos empregos.
Para o economista e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Paulo Nogueira Batista Jr, se a deflação se generaliza é preocupante.
"Na medida em que se consolida a tendência de declínio de preços, todos passam a postergar compras e a demanda cai ainda mais. O aprofundamento da recessão se torna inevitável", diz ele.
"Nenhum Banco Central moderno busca a deflação. Nem o governo brasileiro está buscando isso. O perigo é se esse efeito foge ao controle e se transforma num círculo vicioso", alerta Nogueira Batista. Para o professor, o fato de o Brasil ter um nível de inflação de Primeiro Mundo "já é alguma coisa".
A deflação, segundo Heron do Carmo, foi provocada pela política econômica para prevenir a deterioração da economia. "O processo está sob controle", diz. Mas ele alerta que uma das facetas da deflação é a redução dos salários. "Esse é um comportamento danoso da deflação", diz Carmo.
"O que se espera é que a recessão seja curta e que a economia volte a crescer. Aí a inflação continuará controlada, mas não com crescimento negativo", observa Carmo.
Embora o IPC da Fipe seja o único índice que aponte deflação anual, outros mostram inflação pequena. O IGP-M, da Fundação Getúlio Vargas, apontou deflação de 0,32% em novembro. No ano, deve fechar levemente positivo.
Para Carmo, talvez o IPC aponte uma tendência de queda mais acentuada porque a crise é mais forte em São Paulo. Em Estados como Rio e Minas, onde houve aumento de ICMS sobre alguns produtos, como cigarros, os preços subiram e por isso o índice médio não baixou mais, afirma Carmo.
Talvez por isso a professora Albaci Gomes da Silva, de 42 anos, tenha sentido seu orçamento mais apertado neste ano. Para ela, não houve deflação. "Meu salário não aumentou e o desemprego é uma coisa que nos assusta", afirmou.
Albaci é mãe de um casal de filhos e mora no interior do Espírito Santo. Sua renda familiar é de R$ 1.500 por mês e o marido virou comerciante depois de perder o emprego de gerente do Bradesco.
A dona de casa Alair Fonseca, 46, de Manaus, também não percebeu os preços caírem. Segundo ela, seu gasto com alimentação praticamente dobrou de janeiro para cá.



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