São Paulo, domingo, 27 de janeiro de 2008

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

Desta vez vai ser diferente?


É preciso ser cético em relação àqueles que dizem sempre que "desta vez vai ser diferente"

NA MANHÃ de sexta-feira, quando escrevo esta coluna, as Bolsas estão em alta, animadas pelo acordo sobre medidas fiscais entre o presidente Bush e a liderança democrata na Câmara de Representantes (Deputados), mas a volatilidade na semana passada foi realmente extraordinária.
Após um dia de feriado nos Estados Unidos em que as ações européias e asiáticas caíram muito, os americanos acordaram com a notícia de que o Federal Reserve havia decidido em uma reunião de emergência cortar os juros básicos de 4,25% ao ano para 3,50%. Num primeiro momento, houve uma reação positiva nos preços das ações, mas na manhã seguinte os investidores já se perguntavam se a decisão do Fed não era uma confirmação de que a recessão era inevitável.
A montanha-russa do mercado acionário ocupa o noticiário da imprensa, mas os mercados de juros, em que profissionais experientes têm maior peso, estão apostando em uma recessão. Os papéis do Tesouro americano com prazo de dois anos estão rendendo uma taxa real negativa -isto, é pagando juros abaixo da inflação- porque os investidores esperam que o Fed corte ainda mais os juros e os mantenham baixos para tentar reanimar uma economia crescendo abaixo do seu potencial.
Além disso, os "spreads" nos bônus emitidos por empresas refletem uma expectativa de altas taxas de falências, o que não ocorreria em períodos de prosperidade. Uma razão para esse pessimismo é que o sistema financeiro americano parece passar por um momento semelhante ao das piores crises bancárias experimentadas por países desenvolvidos no século passado.
Um trabalho de Ken Rogoff e Carmen Reinhart aponta grandes semelhanças entre os atuais indicadores americanos e os de países como a Espanha, em 1977, Noruega (1987), Finlândia (1991), Suécia (1991) e Japão (1992), que atravessaram profundas crises financeiras. Em todos esses casos, as economias passaram por desacelerações importantes e de longa duração -o Japão até hoje não reencontrou o caminho do crescimento.
Os otimistas respondem que desta vez vai ser diferente; a ação do Fed e o pacote fiscal vão produzir um pouso suave. Mas é difícil imaginar como a economia americana pode manter as robustas taxas de crescimento, que, com pequenas interrupções, foram sustentadas por quase um quarto de século, na ausência de um sistema financeiro saudável.
Os acontecimentos da semana que passou também colocam em dúvida outra forma de otimismo, aquela que propõe que a economia mundial seria, desta vez, pouco afetada pelo desempenho dos EUA. Essa tese do descasamento foi vendida por bancos de investimento e alegremente repetida por autoridades econômicas em muitos países, inclusive no Brasil. Dados recentes do Japão e da Europa apontam para a desaceleração dessas economias e parece pouco provável que China e Índia possam, por si só, manter o crescimento mundial.
Uma das razões pelas quais eu não faço previsões econômicas é que, freqüentemente, o passado não é um guia preciso para o futuro. Os otimistas podem estar certos, mas é preciso ser cético em relação àqueles que dizem sempre que "desta vez vai ser diferente". Alphonse Karr estava pensando na política quando escreveu "plus ça change, plus c'est la même chose", mas a explosão da bolha da internet, a queda dos preços de casas nos Estados Unidos em 2007 e a recente correção no valor do dólar servem para lembrar que, em economia, também quanto mais as coisas mudam...


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.

jose.scheinkman@gmail.com


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